Folha de S. Paulo


Alfredo Sirkis: Bretton Woods do baixo carbono

As projeções sobre a crise climática no mais recente relatório do IPCC (da sigla em inglês Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) são francamente assustadoras. Elas são ilustradas pelo que já vem ocorrendo: enchentes, secas, furações, derretimento de geleiras, falta de água, entre outros, cada vez mais frequentes em todo o planeta. A ação diplomático sobre a Convenção do Clima, que dependerá sempre do consenso de 194 governos está mergulhada num clima de apreensão e de ceticismo.

O processo da UNFCCC (da sigla em inglês Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima) é um mínimo denominador comum. A COP 21, conferência do clima em Paris, no próximo ano, certamente apresentará alguns avanços incrementais mas não conseguirá obrigar os governos a cortar emissões de gases estufa na intensidade em que a ciência demanda.

Mesmo nos melhores cenários restará uma considerável distância entre o máximo que os governos são capazes de acordar entre si e o mínimo necessário para o garantir que a temperatura média do planeta nesse século não ultrapasse os dois graus.

Construído esse mínimo denominador comum diplomático caberão ainda duas ações decisivas para uma última chance numa exígua "janela de oportunidade" de não mais que 15 anos.

A primeira delas é uma concertação entre países grandes emissores para atuações conjuntas adicionais. A China e os EUA acabam de dar um primeiro passo nesse sentido, insuficiente mas promissor.

A segunda ação é o desenho de um pano de fundo financeiro internacional amigável à transição. Uma espécie de "Bretton Woods do baixo carbono".

A evocação metafórica da conferência de 1944 que instituiu o sistema econômico internacional contemporâneo não vale ao pé da letra. A atualidade não comporta mais uma construção exclusivamente de governos sob a hegemonia dos EUA. Precisa envolver organismos multilaterais, bancos centrais, grandes empresas transnacionais e, sobretudo, sistema financeiro internacional, além da sociedade civil global.

O objetivo é estabelecer uma nova ordem financeira internacional em torno de uma convenção básica: o reconhecimento da redução de carbono como unidade de valor financeiro conversível: uma "precificação positiva" da redução de carbono.

Não menos importante seria sua taxação em si, sua "precificação negativa", mas politicamente a primeira parece nesse momento mais factível do que a segunda e não há tempo a perder.

O Brasil acaba de dar um passo nesse sentido ao submeter à ONU, com vistas à Conferência de Lima, uma proposta originária da nossa Comissão Mista de Mudanças Climáticas que, entre outras disposições, declara o "valor social da redução de carbono" e afirma que a mesma constitui "um valor financeiro conversível" a ser convencionado a partir da estimativa das perdas econômicas projetadas em consequência de emissões futuras, isso num cenário em que se mantivesse a curva de projeção atual.

Essas perdas, conforme demonstra o Relatório Stern, seriam imensas e superariam de longe todo investimento necessário para a transição. Elas são perfeitamente quantificáveis.

A grande questão subjacente a todo debate climático atual é: como financiar uma revolução energética que demandará globalmente um trilhão de dólares por ano?

Os governos com déficits, endividamento e reservas limitadas não dispõem desses recursos. Financiá-la dependerá de taxar as emissões de carbono –substituindo outros tributos– e/ou "precificar positivamente" a redução dessas emissões.

O sistema financeiro internacional gira mais de duzentos trilhões de dólares. Existe no mundo excesso de liquidez que pouco irriga a economia produtiva global. Essa situação é propícia às "bolhas" e crises como a de 2008.

O desafio é atrair uma parte que seja desses capitais para investimentos produtivos de baixo carbono capazes de garantir um novo ciclo de crescimento inovador e gerador de empregos. Para tanto é preciso reconhecer a redução de carbono como lastro com um papel que lembra um pouco o "padrão ouro" instituído em Bretton Woods e vigente até os anos 70.

Os efeitos serão benéficos não apenas ao clima, mas também para a macroeconomia global na sua busca por um novo ciclo produtivo.

ALFREDO SIRKIS, 63, é deputado federal pelo PSB-RJ e presidente da Comissão Mista de Mudanças Climáticas do Congresso

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