Folha de S. Paulo


Paulo P. Miguel: Ondas de choque

No centro das atenções por causa do escândalo de corrupção, a Petrobras adiou para o fim de janeiro a divulgação de seu balanço. Isso mostra a dificuldade de identificar o tamanho do desfalque, uma pré-condição para que os auditores aceitem assinar as demonstrações financeiras. As estimativas para a baixa de ativos chegam a R$ 20 bilhões.

A empresa forneceu algumas informações, porém. No terceiro trimestre, as receitas aumentaram 13,7% frente ao mesmo período de 2013 e houve geração positiva de caixa de R$ 4,2 bilhões. Haverá, ainda, cortes de investimentos e de custos para manter o caixa atual, R$ 70 bilhões, no ano que vem.

Em uma situação normal, seriam boas notícias. Reduzir dispêndios é essencial, já que a dívida de US$ 135 bilhões representa quase cinco vezes a capacidade de geração de caixa.

No contexto atual, porém, a impressão é que a empresa começa a se preparar para o antes impensável –o risco de ser forçada a ficar fora do mercado de capitais em 2015.

A reação nos mercados foi ruim, com nova queda das ações e dos títulos de dívida da empresa, que já pagam 7,5% em dólar, taxa de empresas consideradas "especulativas".

Era sabido que 2015 seria um ano difícil por causa do aperto fiscal e monetário. Também era esperado que a paralisia da Petrobras, resultado da Operação Lava Jato, pesasse contra o investimento, já que a empresa representa 10% da formação de capital na economia.

O que se desenha, no entanto, é algo até mais preocupante –o risco de contágio financeiro. Os contratos da Petrobras com as empreiteiras são gigantescos e 18% de sua dívida (em meados de 2013) era com o BNDES, que por sua vez também desembolsou vultosos recursos para infraestrutura.

Aparecem, aqui e ali, demandas por garantias da União para a rolagem de dívidas. Ocorre que o peso é demasiado até para o Tesouro Nacional, que não pode comprometer sua já combalida nota de crédito.

E isso sem falar dos problemas em outras estatais e da incerta qualidade das centenas de bilhões de reais em créditos concedidos pelos bancos oficiais nos últimos anos.

Em suma, as ondas de choque começam a se espalhar e ameaçam o emaranhado de relações financeiras entre alguns pesos pesados da economia nacional.

Enquanto o Planalto permanece catatônico, as instituições reagem em ritmo acelerado. O resultado no médio prazo será positivo –mudará a qualidade da gestão das empresas públicas e o padrão de financiamento do sistema político. Nunca mais neste país será possível repetir tamanho descalabro.

Mas, até lá, será dura a batalha para evitar um cenário de problemas mais graves na economia. O governo, ao que parece, ainda não percebeu o tamanho do desafio.


Endereço da página: