Folha de S. Paulo


Juana Kweitel e Caio Borges: Um BNDES mais transparente

A reeleição da presidenta Dilma tem gerado expectativas sobre mudanças nas principais instituições que definem e executam a política econômica do país. Uma delas é o BNDES.

Há um sentimento generalizado de que o BNDES é pouco transparente quanto aos critérios que norteiam a escolha das empresas beneficiadas pelos seus empréstimos, cujas taxas são no geral mais favoráveis que as do mercado.

Mas há muitos outros tipos de informação que o BNDES ainda se recusa a divulgar e que são essenciais para que a sociedade avalie se o banco está cumprindo com sua missão de desenvolver o país nas dimensões econômica, social e humana.

Apesar de recentes avanços, como a disponibilização de dados sobre operações de pré-embarque e operações indiretas não-automáticas, ainda há uma opacidade principalmente sobre os aspectos socioambientais dos projetos financiados. O BNDES não torna públicos os relatórios de avaliação prévia e de monitoramento da observância, pelos tomadores de empréstimos, das condicionantes sociais e ambientais estabelecidas pelos órgãos ambientais e pelo próprio banco, por meio de cláusulas contratuais. A maneira pela qual o BNDES assegura que os projetos no exterior respeitam os direitos humanos também é uma incógnita.

Quando questionado sobre as medidas para evitar que empresas causem ou contribuam para a ocorrência de danos ao meio ambiente e violações de direitos humanos, o Banco nega sistematicamente o fornecimento da informação, alegando usualmente sigilo bancário. Quando não é assim, apresenta explicações genéricas.

O BNDES possui ferramentas de gestão de riscos ambientais e de direitos humanos. Há uma Política de Responsabilidade Socioambiental, metodologias para a avaliação das empresas e dos empreendimentos sob o aspecto socioambiental e um corpo técnico com expertise para realizar esse tipo de tarefa.

No entanto, segundo os padrões mais altos de proteção de direitos humanos por empresas (inclusive estatais, como é o BNDES), não basta dizer que tem, é preciso provar que, na prática, os mecanismos de gestão de impactos funcionam. É aqui onde reside o conflito.

Na ausência de maiores esforços do BNDES para aprimorar sua transparência ativa, as diferentes visões cada vez mais têm sido debatidas no âmbito de litígios administrativos e judiciais.

Recentemente a sociedade soube da determinação da Controladoria-Geral da União (CGU) de que o BNDES tornasse públicos os relatórios de auditoria independente sobre o cumprimento das condicionantes socioambientais na hidrelétrica de Belo Monte. O jornal Folha de São Paulo é parte em uma ação judicial que pede a divulgação dos relatórios de análise elaborados pelo corpo técnico do banco para apoiar a decisão de investimento. Segundo decisão do Ministro Ricardo Lewandowski, o BNDES deve divulgar tais relatórios, tarjando as informações sob sigilo bancário. A Justiça Federal também decidiu que o BNDES deve divulgar informações sobre suas atividades e programas, em ação proposta pelo Ministério Público do Distrito Federal.

Até mesmo o TCU e a CGU têm denunciado publicamente as barreiras que o BNDES põe à obtenção de informações cruciais para a realização de auditorias sobre o uso dos recursos públicos em obras como Belo Monte e na construção dos estádios da Copa.

O sigilo em torno dos financiamentos do BNDES é uma querela que pode ser resolvida de uma maneira positiva à sociedade se as instituições políticas operarem apropriadamente. Esperamos que a presidenta reeleita trate o tema com a relevância que ele merece.

JUANA KWEITEL, 42, diretora da Conectas Direitos Humanos, é mestre em Direito Internacional dos Direitos Humanos pela Essex (Reino Unido) e em Ciência Política na Universidade de São Paulo
CAIO BORGES, 28, advogado do projeto Empresas e Direitos Humanos da Conectas, é Mestre em Direito e Desenvolvimento pela Fundação Getúlio Vargas - SP

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