Folha de S. Paulo


Carlos Rittl: Estagflação climática

Dentre os vários monstros que povoam a mente dos economistas, poucos assustam mais que a estagflação –a combinação de crescimento estacionado e inflação em alta. Analistas debatem se esse cenário é iminente no Brasil, num momento em que o mercado prevê para 2014 um crescimento quase zero e a inflação raspando o teto da meta.

Num certo sentido, porém, o país já entrou em estagflação: mesmo com um crescimento econômico baixo, aumentou suas emissões de gases de efeito estufa, indicador da "inflação" da mudança climática.

A luz amarela foi acesa em 19 de novembro deste ano, quando o Observatório do Clima lançou os dados do SEEG (Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa), uma contabilidade anual das emissões do Brasil. Eles mostram que, em 2013, a quantidade de gás carbônico (e outros gases) lançada no ar pelos brasileiros subiu 7,8% em relação ao ano anterior, chegando a quase 1,57 bilhão de toneladas.

Essa é a primeira vez desde 2008 que se reverte a tendência de queda nas emissões nacionais iniciada em 2005. O Brasil vinha arrancando aplausos da comunidade internacional por demonstrar que é possível gerar riqueza sem poluir.

Os dados de 2013 sugerem que inovamos novamente –conseguimos poluir sem gerar riqueza. Isso se deve a políticas públicas insustentáveis implantadas sobretudo nos últimos quatro anos.

A retomada do desmatamento na Amazônia e a manutenção da destruição do cerrado em 2013 foram as maiores vilãs: as descargas de CO2 por mudança de uso da terra cresceram 16,4%. A presidente Dilma Rousseff fez pouco caso, chamando a subida de 29% na devastação amazônica de "aumentinho".

O segundo maior fator de aumento nas emissões foi o setor de energia, com 7,3% de crescimento. A matriz energética brasileira está mais suja, já que o governo foi obrigado pela estiagem anormal a perenizar as termelétricas fósseis, a política do IPI zero e o subsídio à gasolina fizeram o CO2 disparar no setor de transporte.

O recente leilão de energia reforça essa tendência: 68% da energia contratada veio de fontes fósseis, incluindo o retorno triunfal do carvão mineral, combustível do qual o mundo tenta se livrar. As térmicas fósseis foram viabilizadas graças a incentivos do governo. Os vagos murmúrios sobre "economia de baixo carbono" emitidos pela presidente em seu igualmente vago plano de governo são, assim, desmentidos.

Em 2015, se a seca persistir, estaremos na bizarra situação de poluir mais por uso de energia e não ter luz para todo mundo: a mais perfeita tradução da estagflação climática, prenunciando a econômica.

É um quadro constrangedor para o país, que chegou nesta semana a Lima, no Peru, para negociar na 20ª conferência do clima da ONU, a COP 20, o rascunho do futuro acordo global de redução de emissões. A liderança que o Brasil um dia teve nesse campo pode passar a outros, como EUA e China, que dobraram a aposta em energia limpa.

A boa notícia é que há tempo para o país agir, colocando na mesa compromissos ambiciosos de redução para depois de 2020. Mas há um risco real de vermos o mundo avançar na descarbonização enquanto ficamos parados na pista –com o motor ligado e emitindo carbono.

CARLOS RITTL, 45, doutor em biologia tropical e recursos naturais, é secretário-executivo do Observatório do Clima, grupo de ONGs e movimentos sociais

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