Folha de S. Paulo


Alfredo Scaff: Câncer exige planejamento

Na esteira dos países em desenvolvimento, o Brasil é um dos que mais poderão sofrer os impactos do câncer se não fortalecer o controle da doença frente ao envelhecimento da população, que caminha em escala de progresso.

O Dia Nacional de Combate ao Câncer, 27 de novembro, é um chamativo para os governos –federal, estaduais e municipais– assumirem o desafio e prepararem, conjuntamente, suas estruturas de saúde para atender à grande demanda que surgirá a longo prazo.

Nosso país atravessou o processo de envelhecimento mais rápido do mundo, diferenciado da maioria das nações, que enfrentaram guerras no século 20 e tiveram parcelas de suas populações consumidas. O padrão de nossa pirâmide etária se tornou um barril, com o topo tão extenso quanto a base.

Em três décadas, passamos de um país de jovens e crianças para uma nação que caminha para a velhice, movimento que se acentuará ainda mais nos próximos anos.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estima que o Brasil será o sexto país do mundo em número de idosos em 2025, quando terá 32 milhões de pessoas com 60 anos ou mais. As projeções apontam que o grupo da terceira idade será maior que o de crianças e jovens com até 14 anos já em 2030, e maior do que a população até 29 anos em 2055.

O cenário indica que o aprimoramento das políticas de saúde se torna essencial para o enfrentamento sólido do câncer, que configura um problema global e é a segunda causa de morte no mundo desenvolvido, atrás apenas das doenças do coração.

O panorama tende a ser igual no Brasil quando a violência for um passivo social superado. No país, o câncer é hoje a terceira causa de óbitos. Os problemas cardiovasculares e a violência ainda são as principais.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o número de casos de câncer deve aumentar dos 14,1 milhões diagnosticados em 2012 para 22 milhões em 2030. As mortes, que chegam a 8,2 milhões por ano, devem subir para 13 milhões.

A OMS prevê ainda que as nações em desenvolvimento, incluindo o Brasil, serão as mais afetadas. O país, aliás, não tem perspectiva de redução do número de casos da doença em decorrência da doença para o ano que vem. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), 576 mil brasileiros descobrirão que têm câncer em 2015, mesma quantidade estimada também para este ano.

Buscar uma solução para decrescer esses números significa investir em um forte planejamento, reunindo esforços de todas as esferas de governo para a avaliação e o controle da doença. Para esse planejamento, é necessário pensar o câncer em sua integralidade e como uma patologia muito específica, já que corresponde a um conjunto de mais de 100 doenças distintas. Não é possível imaginar, por exemplo, que uma leucemia possa ser enfrentada da mesma forma que um tumor de próstata.

O câncer exige uma linha de cuidado integral, muito além do oportuno tratamento. Na política de saúde ideal, devem ser levados em conta o estímulo à educação do paciente, para que ele desenvolva o autocuidado, e ações de promoção de saúde e prevenção. Isso permitiria, por exemplo, que os pais não desconhecessem a necessidade de vacinar suas filhas contra o HPV.

Criaria na sociedade a consciência sobre a importância de se alimentar saudavelmente, praticar exercícios físicos, não fumar, reduzir a ingestão de bebidas alcoólicas, usar preservativo nas relações sexuais e estar atento a eventuais sintomas para viabilizar o diagnóstico precoce.

Um instrumento-modelo para o enfrentamento do câncer são os Planos de Atenção Oncológica, que precisam ser desenvolvidos e implementados pelos estados e municípios se quisermos mudar o perfil epidemiológico da morbimortalidade da doença em nossa sociedade.

Os planos constituem-se de um conjunto de diretrizes que contemplam todos os aspectos, incluindo promoção à saúde, prevenção, diagnóstico, tratamento (clínico, cirúrgico, quimio e radioterápico), reabilitação e cuidados paliativos.

São planejamentos para, pelo menos, uma década e precisam ser integrados ao dia a dia da sociedade para ganharem vida. Caso contrário, tornam-se só mais um documento burocrático. O controle do câncer é uma atividade que deve ser de toda sociedade, não apenas dos governos.

ALFREDO SCAFF, 49, é médico epidemiologista da Fundação do Câncer

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