Folha de S. Paulo


Luiz Armando Badin, Marcelo Behar, Pedro Abramovay e Pierpaolo Bottini: Respeitosas saudações, ministro Márcio

De 2003 a 2007, Márcio Thomaz Bastos interrompeu uma brilhante carreira de advogado para servir ao Brasil. Durante esse período nos deu a honra de, ainda muito jovens, participar de sua gestão.

Muitos tiveram a oportunidade de conviver com o advogado que lutou pelos direitos humanos, derrubou a tese da "legítima" defesa da honra, auxiliou a organização da sociedade civil durante as Diretas-Já e na Constituinte, como presidente da OAB, e que defendeu com brilho milhares de pessoas durante mais de 50 anos.

Essas linhas, no entanto, buscam prestar homenagem ao ministro Márcio. Homem público que detestava os rapapés e formalidades da chamada "autoridade". Republicano por princípio, por convicção e por anos de prática de embates frequentes com a arrogância de muitos investidos na função pública, o ministro sempre tratou toda a gente da mesma forma.

Tinha convicção de que o serviço público não deveria ser uma regalia, mas o que o próprio nome significa: função social para atender a todos.

Tinha uma leitura próxima à de seu amigo Raymundo Faoro sobre a sociedade brasileira. Entendia que somos herdeiros diretos da tradição portuguesa de impor à sociedade uma estrutura estamental que muda de sobrenome e de ideias, mas não consegue se manter longe do poder e de seus privilégios. O ministro Márcio adicionava à interpretação: com especial predileção pela punição fácil que nada muda de fato.

Para iniciar a alteração desse quadro, planejou desde o começo de sua gestão linhas de transformação do arcabouço institucional brasileiro.

Foram frutos desse trabalho a reforma do Judiciário e criação dos Conselhos Nacionais da Justiça e do Ministério Público, a modernização da Polícia Federal, o Estatuto do Desarmamento, a criação das penitenciárias federais, a reforma do Sistema Brasileiro de Concorrência, a Estratégia Nacional de Combate à Lavagem de Dinheiro, o programa Transparência e a homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol.

Jurista, lutava por um país mais democrático e menos bacharelesco. Generoso, argumentava pela evolução de um sistema punitivo simplista para um mais complexo e contemporâneo à sociedade que deve atender. Sereno, era a fonte de tranquilidade e bom senso, mesmo nos momentos mais turbulentos.

Progressista, apoiava os avanços que as propostas e ideias da esquerda brasileira traziam para o cenário político. Paciente, sabia que não haveria mudança brusca; negociação e tempo eram condições e elementos de trabalho.

Em suas escolhas e indicações, sempre manteve um critério meritocrático. Acreditava na juventude, por ser alheia aos vícios corporativos e comprometida com ideias de transformação. Confiou postos relevantes no Ministério da Justiça a jovens como nós e apostou na competência de importantes integrantes do atual governo.

Em suas comunicações oficiais, rejeitava o formalismo dos manuais, mas mantinha-se afeito à distância necessária que o exercício da função pública impõe e concluía sempre ao seu modo: "Respeitosas saudações". A ele, as nossas.

LUIZ ARMANDO BADIN, 41, doutor em direito pela USP, foi secretário de Assuntos Legislativos e dirigiu a Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça (2003-06)
MARCELO BEHAR, 37, advogado, foi assessor-especial e chefe de gabinete do ministro da Justiça (2003-07)
PEDRO ABRAMOVAY, 34, professor da FGV Direito Rio, foi assessor-especial do Ministério da Justiça (2004-06)
PIERPAOLO BOTTINI, 37, professor de direito penal da USP, foi secretário da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça (2005-06)

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