Folha de S. Paulo


Governo brasileiro deve negar visto ao suíço Julien Blanc, "instrutor de paquera"? Sim

ROBERTO DE LUCENA: NÃO À CULTURA DA VIOLÊNCIA

É sabido que nos primórdios da humanidade, para superar a vida hostil, o homem primitivo recorreu à violência, que muitas vezes se sedimentou no seio da sua própria família. Em especial, contra a mulher.

A agressão, o insulto e a humilhação são utilizados no uso extremo do poder.

Ainda hoje a violência contra a mulher é uma das maiores e piores dívidas que a sociedade moderna tem consigo mesma. Essa violência sexual é uma das mais terríveis agressões. Ela é covarde. Afeta o corpo, a alma e o espírito.

A violência é uma ameaça à saúde, e, mais grave do que isso, uma ameaça à vida, porque são incontáveis os casos de morte das vítimas no Brasil e no mundo. Conforme estudo divulgado pela Organização das Nações Unidas, aproximadamente 120 milhões de meninas no mundo foram estupradas ou vítimas de abusos sexuais antes de completar 20 anos de idade.

No Brasil, os números oficiais indicam que, em 2013, mais de 50 mil pessoas foram vítimas de estupro –mulheres, em sua maioria. Se considerarmos os números oficias, mais de meio milhão de pessoas sofreram um estupro no Brasil na última década. E estamos falando de ocorrências que foram devidamente registradas, pois estima-se que cerca de 80 mil casos deixam de ser computados a cada ano.

Os números são alarmantes. Mas se estivéssemos falando de um único caso de estupro ou de violência contra a mulher, já estaríamos acima do tolerável.

Estava avaliando o imenso prejuízo causado a essas vítimas quando recebi a informação da vinda ao Brasil de Julien Blanc, mais conhecido como "sedutor ou pegador profissional", para ensinar seus "truques de intimidação".

Permitir a entrada dele no país seria um desrespeito a cada mulher brasileira –em especial àquelas que sofreram agressão– e um incentivo à cultura do estupro. Por isso apoiei, de imediato, a petição pública que coletou assinaturas para que a Polícia Federal e o Itamaraty negassem a entrada dele no Brasil. E solicitei ao Ministério das Relações Exteriores que não lhe concedesse o visto.

Seria como voltar no tempo e apagar todos os avanços contra a violência que conseguimos à custa de muitas vidas. O mais triste é pensarmos que haveria público garantido para assistir a essas "palestras". Precisamos refletir muito sobre isso!

Respeito é um conceito que é fundamental nas relações humanas. O que há de mais lindo nas relações humanas só aflora quando existe respeito mútuo. Com o incentivo à violência, só construímos uma sociedade ainda mais violenta, de dor, de terror, de medo.

O Itamaraty, felizmente, manifestou-se contra a entrada de Julien Blanc no Brasil, assim como o Reino Unido não permitiu o ingresso dele em seu território.

É um "não" à violência. É um "não" à agressão moral, física, psicológica. É um "não" de todas as brasileiras e de todas as famílias que querem dar um basta à cultura da violência neste país.

Com essa negativa, não admitimos o retrocesso e não nos deixamos contaminar pela mentalidade da violência. Parabéns, Brasil!

Mas é preciso continuar a discutir esse episódio com nossos amigos e com nossas famílias para cortar pela raiz esse mal que, muitas vezes, até mesmo em atitudes consideradas "inofensivas", "pequenas" ou "banais", está muito mais próximo de nós do que imaginamos.

A palavra da vez é respeito, e a frase, em alto e bom som é esta: "Não à cultura de violência contra a mulher!".

ROBERTO DE LUCENA, 48, pastor da igreja evangélica O Brasil para Cristo, é deputado federal pelo PV-SP e vice-líder do partido na Câmara

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