Folha de S. Paulo


Editorial: Guerra fracassada

O bárbaro assassinato de 43 estudantes no México é uma demonstração brutal do quanto a política de guerra às drogas tem fracassado.

O caso é grotesco. No dia 26 de setembro, os alunos foram a Iguala (sudoeste do país) no intuito de arrecadar fundos para suas manifestações –eles faziam oposição ao prefeito da cidade.

Segundo as investigações, o alcaide ordenou à polícia que interceptasse os ônibus que os conduziam. Parte dos estudantes teria morrido na emboscada; os demais, entregues a traficantes, foram chacinados posteriormente.

Essa associação entre os poderes legalmente constituídos e os líderes do submundo não é, infelizmente, novidade.

Se Estados consolidados conseguem reprimir o tráfico sem que suas próprias estruturas sejam corrompidas, países menos desenvolvidos não escapam do crime organizado, que mantém autoridades em suas folhas de pagamento e por vezes ocupa diretamente altos postos na esfera pública.

Sindicatos de delinquentes cometem uma infinidade de ilícitos, mas poucas de suas atividades são tão rentáveis quanto vender drogas.

Há dois motivos principais para isso. Primeiro, no comércio de entorpecentes, a "vítima" é participante voluntária do delito, podendo até fazer fila para aguardar a vez de ser atendida pelo "agressor".

Além disso, esse crime quase não se vê afetado pela repressão. Se a polícia reforça a segurança de bancos, por exemplo, os assaltos a essas instituições diminuem. Já em relação ao tráfico, se as autoridades apertam o cerco, os bandidos simplesmente aumentam o preço do produto. Seus ganhos não diminuem –e podem até crescer.

Quando o mundo, liderado pelos EUA, declarou guerra às drogas algumas décadas atrás, a iniciativa parecia fazer sentido. O consumo de entorpecentes, como se sabe, tem impacto negativo para a saúde do usuário e para a sociedade.

As particularidades desse mercado, porém, deram aos traficantes poder para reagir. Os efeitos colaterais gerados são piores do que o mal que o combate às drogas pretendia sanar. É preciso, pois, buscar alternativas –tarefa nada trivial. Os cartéis estão estabelecidos e não aceitarão perder espaço.

A legalização, ademais, teria de ser gradual e acompanhada de restrições à venda e à publicidade semelhantes às que existem para álcool e tabaco. Mas, para que a mudança de paradigma ocorra da melhor forma possível, é crucial haver coordenação entre os países. Sem isso, os mortos se acumularão nos Estados menos desenvolvidos.


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