Folha de S. Paulo


Editorial: Debate de crédito

Passados quase 20 anos do ciclo de privatizações da era Itamar-FHC, é natural que o debate sobre o tema esteja desbotado na memória dos eleitores e ocupe espaço secundário na campanha presidencial. O assunto se transmutou, porém, nas discussões acerca do papel dos bancos públicos para o crescimento da economia.

Pela retórica petista, mais preocupada com seu impacto do que com a veracidade das afirmações, o PSDB, uma vez no poder, desmontaria os bancos públicos. O contra-ataque tucano ganhou força nos últimos dias, a partir de notícia de que o Banco do Brasil concedeu controverso empréstimo de R$ 2,7 milhões para uma socialite amiga do presidente da instituição.

Caricaturas à parte, as candidaturas da presidente Dilma Rousseff (PT) e do senador Aécio Neves (PSDB) representam pontos de vista divergentes a respeito do tema.

Nos dois últimos anos do governo Lula e ao longo do mandato de Dilma, houve grande crescimento na concessão de créditos por parte do BNDES, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal.

O BNDES, por exemplo, teve seu balanço patrimonial expandido de R$ 277 bilhões no final de 2008 para R$ 803 bilhões em junho deste ano. Para tanto, foram feitos aportes de R$ 440 bilhões do Tesouro Nacional, financiados com emissão de papéis de dívida pública.

Petistas argumentam que foi necessário usar tais instituições para combater os efeitos da crise de 2008, que ainda está em curso. Sustentam também que, sem a ajuda do governo, os investimentos teriam caído mais, assim como o crescimento econômico.

Mesmo que isso seja verdade, algo que é difícil demonstrar, devem-se considerar os custos envolvidos. A injeção de dinheiro equivale a 15% da dívida pública bruta, enquanto a taxa de investimento como proporção do PIB é hoje menor do que a registrada em 2010.

Os tucanos afirmam que a expansão excessiva sufoca, ao invés de estimular, o desenvolvimento do mercado de capitais. Os juros subsidiados provocam aumento dos custos para empresas e famílias, já que o Banco Central se vê obrigado a apertar o crédito privado a fim de combater a inflação.

O PSDB não questiona a importância de crédito público focado em áreas como infraestrutura, inovação e habitação popular, pouco atraente para bancos privados, mas aponta deficit democrático na ação do governo. Como os bilionários subsídios não são contabilizados no Orçamento, deixam de passar pelo escrutínio da sociedade.

Essa falta de transparência nas contas tem afetado a credibilidade do país, com efeitos negativos para o crescimento.

O ponto em comum entre os candidatos é o desejo de reduzir os juros, ainda escorchantes para a maioria, mas o acordo termina aí. Os caminhos escolhidos por Dilma Rousseff e Aécio Neves são bastante distintos. Ainda há tempo para esclarecer melhor a controvérsia.


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