Folha de S. Paulo


Boris Fausto: O país na encruzilhada

Na antevéspera da decisão de uma campanha eleitoral que envolveu uma tragédia, reviravoltas e uma condenável violência verbal, é preciso falar claramente sobre a decisão de optar entre Aécio Neves e Dilma Rousseff.

Começo recordando o histórico da atual presidente, candidata ungida em 2009 pelas mãos de Lula como um dos "postes" que, segundo ele, iriam iluminar o país. Passados quase quatro anos do início de seu mandato, Dilma nos deixou tateando no escuro.

O crescimento econômico patina ao longo do quadriênio; a inflação retorna, atingindo a nova classe média e, em especial, as camadas mais pobres da população; os investimentos de infraestrutura não avançam; a desindustrialização prossegue; as contas externas não fecham. Isso sem falar da corrupção, escancarada com a revelação de diversas práticas delituosas e que levou à cadeia integrantes da cúpula petista.

Alguém diria que muitos dos episódios de incompetência e/ou corrupção ocorreram no governo Lula. É verdade. Mas, por acaso, não assentiu a presidente Dilma, na presidência do Conselho de Administração da Petrobras, em 2006, na compra da refinaria de Pasadena (EUA) por um preço lesivo aos cofres públicos? Teve ela uma palavra de crítica aos malfeitos praticados pelos personagens do mensalão?

Por sua vez, Aécio terá condições de reequilibrar a economia, garantir a estabilidade da moeda e o controle da inflação, que nestes últimos 12 meses ultrapassou o teto da meta, chegando a 6,6%, em números oficiais postos em dúvida pelas pessoas que vão às compras nos supermercados e nas feiras livres.

O apoio de Marina Silva a Aécio no segundo turno lançou luz sobre outros temas prementes, vinculados aos problemas socioambientais, e sobre a garantia do direito da população indígena à demarcação e posse de suas terras.

Convém lembrar neste passo que, comparados os governos FHC, Lula e Dilma, a candidata-presidente foi quem menos demarcou terras indígenas, quem menos promoveu a reforma agrária e quem mais desconsiderou os temas ambientais.

Outro ponto relevante será a reconstrução de várias instituições do país, em diferentes áreas, como é o caso da Petrobras e do Itamaraty. A Petrobras –não é segredo para ninguém– está às voltas com uma crise em que se combinam a incompetência com a espoliação praticada por alguns de seus diretores, em proveito próprio e do partido que está no governo.

Quanto ao Itamaraty –tão desprezado pela presidente Dilma Rousseff–, é hora também de restaurar seu prestígio e suas funções, no plano das relações internacionais. É preciso abandonar um viés ideológico que dá tratamento especial a nações como Venezuela, Cuba e Irã, fechando os olhos para constantes violações dos direitos humanos naqueles países.

A campanha eleitoral escalou da veemência a um vale-tudo muito preocupante. Um ponto crucial residiu na demolição da figura de Marina Silva, numa operação cruel, que não deixou pedra sobre pedra. Poupado no primeiro turno por razões óbvias, Aécio passou a ser alvo do mesmo processo de desconstrução, como é impossível ignorar.

Após esses fatos, dividido o país ao meio, não vai ser fácil restaurar um clima de normalidade, admitidos os conflitos próprios da democracia que certamente virão. Nessa conjuntura, será necessário enfrentar uma visão política destrutiva, própria dos regimes autoritários, que encara adversários políticos como inimigos a serem desmoralizados a qualquer preço, no afã de assegurar a continuidade no poder.

Por último, quem percebeu o uso de técnicas altamente manipulatórias para distorcer os fatos e conquistar uma parte do eleitorado tem boas razões para eleger Aécio como o próximo presidente da República.

BORIS FAUSTO, historiador, é professor aposentado do departamento de ciência política da USP. É autor de "História do Brasil" (ed. Edusp) e "O Crime do Restaurante Chinês" (ed. Companhia das Letras), entre outros livros

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