Folha de S. Paulo


Renata Rizzi: Doações de campanha e interesses privados, a separação necessária

Em análise publicada nesta Folha, "Financiamento eleitoral requer restrições", Claudio W. Abramo, diretor-executivo da Transparência Brasil, analisa o sistema de financiamento eleitoral brasileiro e argumenta que sua pior deficiência é a falta de limites absolutos para as doações de campanha.

Abramo pertinentemente observa que os limites relativos existentes falham em estabelecer restrição realista e efetiva sobre o valor que grandes empresas e indivíduos com alta renda podem doar. O autor condena o "desmesurado poder de influência das megadoadoras" e afirma que, fixado um limite absoluto para doações, "a desigualdade entre doadoras se reduziria".

Considero que um problema maior e anterior ao da desigualdade do poder de influência das "megadoadoras" é a existência, em si, de qualquer poder de influência proveniente de doações, seja ele desigual ou não.

Doações de campanha não podem ser recompensadas por favorecimento no processo de licitação de contratos públicos ou por generosidade excepcional na concessão de empréstimos do BNDES, por exemplo.

As "megadoações" de campanha, amplamente divulgadas pela mídia, incomodam os cidadãos. Incomodam por sua escala. Incomodam pelo fato de serem feitas por um conjunto relativamente pequeno de empresas. E incomodam, principalmente, porque é sabido que "as empresas não costumam brincar com o retorno do capital" (mais uma vez citando Abramo).

O que motiva este seleto grupo de empresas a investir dezenas de milhões de reais em campanhas políticas? E por que elas doam, não somente para um partido, mas para todos com chances de eleger seus candidatos? Vale uma investigação mais profunda dos dados.

Pessoas jurídicas respondem pela absoluta maioria das receitas de candidatos e comitês em anos de eleição. Tomemos a atual campanha presidencial como exemplo.

A candidata Dilma Rousseff obteve, até agora (de acordo com a 2ª parcial da prestação de contas - TSE), um total de R$ 123 milhões em doações e 99.5% destes foram doados por empresas. No caso de Aécio 99.6%, e no de Marina 96.1%. Entretanto, a grande maioria das maiores empresas do Brasil (segundo o ranking da revista Exame e os dados do TSE), não fazem nenhuma doação de campanha.

A maior parte das doações provêm de um número pequeno de empresas. As 20 maiores doadoras da campanha de Dilma foram responsáveis por 80% dos recursos arrecadados até agora. Estas mesmas 20 empresas respondem por 67% das receitas de Aécio e 58% das de Marina.

E tamanho não é o principal atributo que elas compartilham. Analisando os dados desta eleição e das passadas, é imediata a constatação: o que boa parte das "megadoadoras" têm em comum é o fato de serem empresas de setores que tradicionalmente disputam e obtêm grandes contratos do governo.

Comparei a lista das 20 maiores doadoras de Dilma com o elenco de empresas contratadas pelo governo federal durante o mandato atual (segundo o Portal da Transparência). Quinze delas aparecem em ambas as listas e respondem por R$ 83,6 dos R$ 123,3 milhões arrecadados por Dilma até agora. Treze destas mesmas empresas respondem por R$26,5 dos R$ 42,3 milhões arrecadados por Aécio. E 12 delas doaram R$ 11,9 dos R$ 19,5 milhões arrecadados por Marina. Tudo isto, volto a dizer, de acordo com a 2ª parcial de prestação de contas ao TSE.

Apesar de não haver evidências concretas de troca de favores, a brecha existe e a sociedade não pode correr este risco. A combinação de políticos ávidos por doações de campanha e empresas interessadas em garantir a obtenção dos grandes contratos públicos dá margem à existência de um "toma lá-dá cá" na distribuição destes contratos.

Não por acaso, nos Estados Unidos, a lei que impede a prática do que eles chamam de pay-to-play (pagar para jogar) já existe no nível federal e em diversos estados há décadas. No Brasil, também, empresas que forneçam produtos ou tenham seus serviços contratados pelo governo deveriam ser proibidas de fazer doações de campanha.

Terminado este ciclo eleitoral, é fundamental ajustar a nossa legislação.

RENATA RIZZI, 39, engenheira, é doutora em economia pela FEA - USP

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