Folha de S. Paulo


Todos os juízes devem receber auxílio-moradia? Não

LUÍS INÁCIO ADAMS: EM AUXÍLIO DA LEI

O auxílio-moradia é um benefício concedido em lei para algumas categorias de funcionários públicos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário para auxiliar a transferência do servidor da cidade onde mantém residência permanente para outro município, conforme interesse do Estado. Promove a compensação de eventuais custos com deslocamento e aluguel de imóvel residencial.

No caso dos juízes, a necessidade e a legitimidade para obtenção desse tipo de vantagem devem ser avaliadas de acordo com a especificidade da função exercida pela magistratura, existindo argumentos pró e contra a sua concessão.

Contudo, não se trata aqui de discutir o mérito da pretensão dos juízes, mas, sim, a forma como o auxílio ganhou efetividade.

Estender o valor de R$ 4.300 aos mais de 16 mil juízes de todo o Brasil por meio de liminar (decisão judicial provisória) viola claramente uma disposição legal, já reconhecida pela suprema corte na ADC (ação declaratória de constitucionalidade) nº 4: "Não será concedida medida liminar que tenha por objeto (...) a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza".

A própria Lei Orgânica da Magistratura estabelece que apenas nos termos de lei será possível o pagamento da vantagem "auxílio-moradia" aos membros do Judiciário.

O benefício, agora regulamentado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), não possui relação com o custo da moradia, uma vez que está sendo pago independentemente do valor de aluguel e até mesmo quando o juiz possui casa própria.

Ora, o que se trata aqui, então, é de um indisfarçável aumento salarial a todos os juízes, sem a prévia autorização legal do Congresso Nacional, a quem a Constituição atribuiu a prerrogativa pétrea de autorizar despesas. No caso em questão, cerca de R$ 1 bilhão por ano.

A AGU (Advocacia-Geral da União) sempre atuou em sentido contrário à criação e concessão de vantagens sem previsão legal, e o fez na defesa não só do Poder Legislativo, mas da sociedade que, no processo legislativo, pode participar ativamente deste debate, apoiando ou criticando.

A fixação de benefícios em decisão judicial ou administrativa, por mais legítimos que sejam, fere a nossa República, retirando do processo deliberativo a participação da sociedade e permitindo gastos incompatíveis com a realidade orçamentária do Estado.

A cada dia de vigência dessa decisão o prejuízo aos cofres públicos se amplia. Há casos em que uma liminar prevalece por anos sem que haja uma confirmação dos seus efeitos pelo plenário da corte.

Pior: não há possibilidade de o Estado reaver os recursos destinados ao auxílio-moradia, mesmo que venha a ser considerado ilegal. Jurisprudência do próprio Supremo Tribunal Federal impede o desconto salarial de servidores que receberam valores de boa-fé.

As posições defendidas pelas corporações de juízes, bem como a regulamentação do subsídio pelo CNJ a partir de uma sentença provisória e monocrática, dependente ainda da manifestação de outros nove ministros do Supremo, representam um risco à legitimidade do poder em face à sociedade.

Estamos confiantes de que, com o auxílio da razão, a maioria da suprema corte brasileira reafirmará a necessidade e o respeito da lei, submetida ao controle social. Afinal, a lei regula a vida e os direitos de toda a sociedade, inclusive dos juízes.

LUÍS INÁCIO LUCENA ADAMS, 49, bacharel em direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é ministro-chefe da Advocacia-Geral da União

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