Folha de S. Paulo


Bolívar Lamounier: Três personagens e um país à deriva

A ordem em que os três principais candidatos à Presidência da República têm aparecido nas pesquisas parece-me ser o inverso de suas capacidades e do que deles se pode esperar de positivo para o Brasil.

Dilma Rousseff chegou ao Planalto como atriz num dos muitos enredos maliciosos que Lula é capaz de conceber. Com seus próprios recursos ela dificilmente se elegeria vereadora em Porto Alegre ou em Belo Horizonte. Lula "vendeu-a" como uma exímia conhecedora da máquina pública e a grande gestora de projetos que daria continuidade às "grandes conquistas" de seu governo.

Tendo já cumprido um segundo mandato, Lula não iria se desgastar numa luta interna, muito menos emprestar sua popularidade a um candidato político. Queria um candidato que lhe devotasse uma fidelidade canina, o melhor "poste" que pudesse encontrar.

Na campanha e nos debates, ela quase nada precisaria falar; dos votos encarregar-se-iam Lula e os marqueteiros. Foi assim que o Brasil viveu um dos maiores paradoxos eleitorais de que se tem notícia. Nas democracias, candidatos sabem que suas chances de sucesso dependem de se tornarem conhecidos do maior número possível de eleitores. Com Dilma, deu-se o oposto: seu sucesso deveu-se à quase total clandestinidade em que ela se manteve.

Sob muitos aspectos, Marina Silva é o oposto de Dilma. Não creio que ela se prestasse a uma farsa eleitoral. Suas ideias parecem-me se constituir, parte por elaboração própria, parte por uma saudável utilização dos órgãos auriculares.

Apesar dessas qualidades, tinha certeza que o status de favorita que ela chegou a atingir não se sustentaria. Resultara de uma situação extraordinária que se diluiria. O desaparecimento de Eduardo Campos e a comoção dele decorrente catapultaram-na para a segunda posição.

O súbito aumento do apoio a Marina deveu-se à simpatia com que ela passou a ser vista por eleitores que, de outra forma, não a veriam como opção; à reativação e a uma tentativa de canalização mais positiva do manancial de votos contra Dilma e Serra que ela mobilizara em 2010; e à sensação de que ela passara a encarnar uma concepção idealizada de política com possibilidade real de chegar ao Planalto.

Ao envolvê-la numa aura de vencedora, os elementos mencionados proporcionaram-lhe a indispensável interlocução com grupos sociais que até a morte de Campos a viam como problema. Facilitaram a substituição da acanhada plataforma de 2010 por uma mais ampla e realista, respaldada por economistas competentes.

As últimas pesquisas mostram Aécio Neves na terceira posição. Admitindo que as intenções de voto em Dilma e as de votar em branco ou nulo estão mais ou menos consolidadas, Aécio precisa "tomar" de Marina só mais alguns pontos para ultrapassá-la. Difícil é; impossível, não. Se for ao segundo turno, terá o mesmo tempo de TV que Dilma e será visto como uma alternativa real ao oficialismo petista.

Na segunda (29), os agentes econômicos reagiram à melhora de Dilma nas pesquisas avisando que a reeleição será um desastre. As ações da Petrobras despencaram 10%. Corteses como são, Lula e Dilma deveriam pedir desculpas à analista do Santander cuja demissão exigiram por ter tido a "ousadia" de fazer uma previsão nessa mesma linha.

Se eleito, Aécio Neves terá prioridades inescapáveis. Em termos gerais, o imperativo será desmontar a "herança maldita" deixada por Lula e Dilma. Reverter o clima de desmoralização que tomou conta do país desde 2003, a aceitação passiva da incompetência e da falta de responsabilidade, a condução ideológica e amadorística da política econômica e a tibieza no combate à corrupção.

Urge restabelecer o império da lei, a validade dos contratos, o valor das instituições e a independência entre os Poderes. Na política externa, Lula e Dilma deram seguidas mostras de obtusidade, no melhor estilo terceiro-mundista. Mas foram além: praticaram ativamente uma opção preferencial por regimes populistas e ditaduras, sabe Deus se como fruto de alguma convicção ou só no juvenil afã de marcar posições antiamericanas.

BOLÍVAR LAMOUNIER, 71, doutor em ciência política pela Universidade da Califórnia, e sócio-diretor da Augurium Consultoria. Seu livro mais recente é "Tribunos, Profetas e Sacerdotes: Intelectuais e Ideologias no Século 20" (Companhia das Letras)

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