Folha de S. Paulo


Editorial: Atraso programático

"Você conhece a modernidade?", perguntou, de forma retórica, a presidente Dilma Rousseff. "A modernidade é o seguinte: não é um calhamaço feito de papel", continuou a petista, "[mas] são várias formas de comunicação".

Em conversa com jornalistas no domingo (28), a candidata do PT tentava explicar por que não entregou à Justiça Eleitoral seu programa de governo. Disse que tem apresentado suas propostas ao "povo brasileiro", a quem cabe decidir "que caminho quer percorrer".

De fato. Como, no entanto, o eleitor poderá fazer uma escolha informada se a líder da disputa presidencial evita assumir compromissos formais, limitando suas promessas ao reino encantado da propaganda? A questão não é retórica.

A publicidade, no mais das vezes, busca mobilizar o lado emocional do espectador. Criatividade e direção de arte se articulam num roteiro cuidadosamente concebido com vistas a passar esperança ou medo, enaltecer um nome ou desconstruir seu adversário.

Mesmo quando trazem propostas concretas, as peças elaboradas sob a lógica do marketing não têm nenhuma preocupação com a visão de conjunto ou, mais importante, com sua viabilidade prática.

Nesse mundo fictício, tudo se passa como se o Estado não conhecesse restrições orçamentárias e bastasse a mera vontade política para resolver os problemas do país.

O plano de governo, é claro, não necessariamente terá dose maior de realismo. Por sua natureza oficial, porém, não pode usar a seu favor o mesmo grau de licença poética que a propaganda se permite.

Foi-se o tempo em que o programa transformava-se em letra morta tão logo era depositado em juízo. Agora, talvez por efeito da inclusão digital, a peça é rápida e extensamente discutida nos diversos meios de comunicação. Trata-se de formidável avanço democrático.

O caso de Marina Silva (PSB) evidenciou esse aspecto. Tendo sido a única entre as principais candidaturas a apresentar um projeto com antecedência, viu sua agenda no centro de um debate exaltado que a levou a emendar certos itens.

Marina, ainda assim, ao menos divulgou seu programa, coisa que Dilma Rousseff se nega a fazer. Já Aécio Neves (PSDB) decidiu apresentar sua carta de intenções apenas nesta semana, inviabilizando discussões a seu respeito.

Recusar o debate não apenas representa descaso com o eleitor como também degrada a própria democracia. É inaceitável que candidatos queiram chegar ao cargo máximo da República sem que seus planos oficiais sejam submetidos ao escrutínio público. Não há nisso nenhuma modernidade; trata-se, ao contrário, de grave retrocesso.


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