Folha de S. Paulo


Editorial: Homicídio policial

As imagens divulgadas pela TV Record são impressionantes e deixam pouco espaço para dúvidas. Elas flagram o momento em que, na quinta-feira (18), um policial militar atira e mata um vendedor ambulante, na zona oeste de São Paulo. Fica documentado um ato de violência brutal e inaceitável.

O vídeo mostra um agente com um tubo de gás pimenta na mão esquerda e uma pistola na direita. Só isso já seria condenável, pois não se tratava de confronto com criminosos armados, mas de ação policial com o objetivo de reprimir o comércio ilegal na região.

Como logo ficou claro, a temeridade do gesto não era abstrata. Em meio a uma discussão, o piauiense Carlos Augusto Muniz Braga, 30, agarrou a mão esquerda do policial, no que parecia uma tentativa de arrancar-lhe o spray. A reação foi absurda: o agente disparou contra o rosto do ambulante.

Do ponto de vista institucional, a situação ficou ainda pior. Divulgando informações equívocas, a Polícia Militar mostrava-se, num primeiro momento, disposta a tentar minimizar –quem sabe até encobertar– o homicídio. Confrontada com as imagens, no entanto, viu-se obrigada a admitir a gravidade das circunstâncias.

Mais tarde, a Secretaria da Segurança Pública afirmou que o policial foi preso em flagrante. Ainda seria aberto um inquérito militar para apurar o caso, e a Polícia Civil também o investigaria.

É o mínimo, mas convém lembrar que os resultados desses procedimentos elementares, em geral conduzidos intramuros, nem sempre surgem com a desejável presteza e o necessário rigor.

O episódio reitera o diagnóstico de que a atuação da polícia no Brasil permanece marcada por uma cultura de arbitrariedade, violência e despreparo incompatíveis com os padrões da democracia.

Segundo o 7º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, as polícias no Brasil matam, em média, quatro vezes mais civis do que as norte-americanas –e 125 vezes mais do que a polícia do Reino Unido.

É fato que prospera por aqui um tipo de criminalidade armada, em geral ligada ao narcotráfico, que muitas vezes torna inevitável o confronto. Isso, no entanto, não explica as rotineiras mortes de cidadãos desarmados.

Passa da hora de as autoridades brasileiras enfrentarem a questão com a urgência e a seriedade que ela exige. Seria um retrocesso atroz permitir que casos como o registrado em São Paulo possam terminar impunes.


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