Folha de S. Paulo


Editorial: Combinar com os russos

Amparado pela Constituição da Ucrânia, o presidente Petro Poroshenko, 48, anunciou a dissolução do Parlamento de seu país e convocou eleições legislativas para o fim de outubro, adiantando disputa que só ocorreria em 2017.

De acordo com o presidente, alçado ele próprio ao cargo em maio passado num pleito que também foi antecipado, a medida destina-se a afastar parlamentares alinhados à Rússia, que estimulariam a ação de separatistas no leste ucraniano. Nessa parte do país, os rotineiros conflitos já causaram a morte de mais de 2.000 pessoas.

Ao destituir os legisladores sufragados em 2012, Poroshenko argumentou que cumpria uma das reivindicações dos intensos protestos que tomaram conta da Ucrânia a partir do fim do ano passado.

Pedia-se a deposição do então presidente Viktor Yanukovich, inclinado a manter o país sob a influência de Moscou, e maior aproximação econômica com a União Europeia –objetivo que Poroshenko espera atingir com menos dificuldade na nova composição parlamentar. Cabe aos deputados, afinal, ratificar acordos comerciais.

Fica claro, porém, que o recém-empossado presidente recorreu a uma manobra, ainda que legal, para tornar seu caminho mais tranquilo, ao menos no campo político nacional; no front militar, não há sinais de cessar-fogo nas hostilidades com rebeldes, municiados por forças russas.

De modo a tornar possível a aplicação do dispositivo constitucional que permite a convocação de eleições pelo chefe do Executivo, integrantes de sua coalizão intencionalmente dissolveram, em julho, o acordo que tornava o grupo majoritário no Parlamento. Após 30 dias sem uma nova maioria, Poroshenko pôde exercer sua prerrogativa.

Resolvida do ponto de vista jurídico, a questão tem desdobramentos práticos que permanecem sem resolução. Não está claro, por exemplo, como o governo assegurará a participação dos eleitores de Donetsk e Lugansk, regiões controladas por forças separatistas.

É até mesmo incerto que moradores dessas localidades queiram se manifestar em uma disputa ucraniana, já que muitos desejam maior aproximação com a Rússia.

Como na anedótica resposta do craque Garrincha às recomendações táticas do treinador Vicente Feola antes da partida contra a União Soviética em 1958, falta combinar com os russos –e nenhuma estratégia para debelar a crise ucraniana será eficaz se não contar com a participação de Moscou.


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