Folha de S. Paulo


Sergio Amaral: É hora de destravar a política externa

Afora os Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e as relações com Pequim, a política externa brasileira travou, inclusive em setores prioritários –como Mercosul, América do Sul e comércio exterior.

O Mercosul está paralisado, se não em retrocesso. Em pouco mais de uma década, as vendas brasileiras para o grupo declinaram de 17% a 8% das nossas exportações. Os investimentos também caíram, enquanto as instituições do Mercosul não fizeram qualquer progresso significativo.

Chegou a hora da verdade para o Mercosul. Os países-membros do grupo terão de tomar decisões fundamentais: querem consolidar o livre-comércio? Pretendem manter a união aduaneira? Querem continuar a proteger bens intermediários, em detrimento da integração das cadeias produtivas?

Quaisquer que sejam as opções, o importante será cumprir as regras acordadas, de modo a restaurar a credibilidade que o Mercosul perdeu. Com a adesão da Venezuela ao grupo, inclusive a cláusula democrática virou letra morta.

Na América do Sul, em vez de caminharmos para a integração, marchamos a passos firmes para a desintegração, com o traçado de uma nova linha de Tordesilhas que separa o Mercosul, a leste, da Aliança do Pacífico, a oeste. O último grupo representa 34% do PIB e 51% do comércio da América Latina.

Em três anos, a Aliança do Pacífico avançou, em vários setores, mais do que o Mercosul. A busca de uma convergência entre os dois grupos encontra, no entanto, a resistência do Brasil.

Por fim, em comércio colocamos todas as fichas na OMC (Organização Mundial do Comércio). Com o fracasso, provavelmente definitivo, da Rodada Doha, ficamos a ver navios, pois não negociamos os acordos de comércio, bilaterais e regionais, que a maioria de nossos parceiros já concluiu.

O acordo entre o Mercosul e a União Europeia, o mais importante deles, ainda não foi finalizado –pela resistência da Argentina em aceitar concessões que os seus parceiros no Mercosul já fizeram, e pela recusa do Brasil em prosseguir nas negociações sem a Argentina, como, de fato, pode e deveria.

O custo para o Brasil será alto. Como relembrou José Manuel Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia, o Brasil poderá perder, entre outras vantagens, o acesso privilegiado ao mercado europeu de carne, caso as negociações com Washington avancem rapidamente, pois serão concedidas aos Estados Unidos as quotas que poderiam beneficiar o Brasil.

A abertura da economia é precondição para a retomada do crescimento. Assim como as reformas econômicas são um requisito para que a indústria possa competir.

A economia brasileira é, hoje, uma das mais fechadas do mundo. O comércio representa cerca de 20% do PIB –no caso da China, este percentual é de 53%. O presidente chinês, Xi Jinping, em sua visita recente ao Brasil, declarou que seu país não seria o que é hoje não fossem a abertura do comércio e as reformas da economia – e Xi Jinping é insuspeito de inclinações neoliberais.

O travamento da política externa não ocorre apenas em setores prioritários. O comércio com a África continua a representar 5% de nossas exportações, como há várias décadas. As relações com Washington estão num ponto morto, exatamente no momento em que os Estados Unidos promovem uma revolução energética como prelúdio para um processo de reindustrialização, que abrirá oportunidades novas para cooperação e comércio.

É preciso não confundir visitas diplomáticas e comunicados conjuntos generosos com programas e parcerias efetivas. Infelizmente, temos sido pródigos na retórica e modestos nos resultados.

SERGIO AMARAL, 70, embaixador, foi ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (governo Fernando Henrique Cardoso)

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