Folha de S. Paulo


José Luiz Setúbal: Situação dramática

Escrevo como um membro da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo que quer ajudá-la, não como candidato a provedor, pois essa pretensão acabou em 16 de abril, quando perdi a eleição. A Santa Casa de São Paulo é uma instituição com mais de 450 anos, fruto de muitas gerações de paulistanos que fizeram dela um patrimônio da cidade e que não pode terminar sua história de forma tão triste.

Hoje, ela é um complexo de saúde com 39 unidades, composta por hospitais, unidades básicas de especialidades, de saúde mental, alguns próprios e outros administrados por ela, além de contar com colaboração da Faculdade de Ciências Médicas, onde me formei.

Desde meados do século 16 até 1988, foi responsável por fazer a misericórdia na cidade. Entre suas funções estava o atendimento gratuito de saúde da população carente. Em 1988, com a criação do SUS (Sistema Único de Saúde), ela começou a ser remunerada pelos serviços de saúde prestados e, assim, passou a receber menos doações da sociedade. Nestes quase 30 anos, a medicina mudou e encareceu muito, sendo provável que a Santa Casa do século 21 não consiga realizar o atendimento médico gratuito de outrora.

Não há como negar o subfinanciamento do sistema de saúde público. A defasagem entre a remuneração do SUS e o custo do serviço está em cerca de 40%, ou seja, para cada R$ 1.000 que se gasta com os doentes, recebe-se R$ 600. Esse é um grande problema e sua solução é de médio e longo prazo, pois o governo federal não tem como corrigir isso de imediato. Esse pagamento direto do SUS à Santa Casa é uma das fontes de receita e pode-se dizer que essa remuneração é um pouco melhor por se tratar de um hospital universitário e realizar procedimentos estratégicos e de alta complexidade.

Outra fonte de receita vem das Organizações Sociais de Saúde, unidades públicas de saúde cuja gestão é feita pela Santa Casa. Apesar de realizar atendimento pelo SUS, o gestor recebe por contrato realizado com a Secretaria de Saúde a qual pertence, no caso da Santa Casa, as Prefeituras de São Paulo e Guarulhos ou do governo do Estado. Em teoria, esses contratos não devem dar lucros ou prejuízos ao gestor que recebe uma taxa pelo serviço. Existe, finalmente, a receita dos planos de saúde. A Santa Casa possui dois hospitais privados, os Santa Isabel, hoje muito mal geridos.

No planejamento que fizemos junto a uma grande consultoria internacional para a recuperação econômica e financeira da Santa Casa, prevíamos uma completa reestruturação do modelo atual de gestão –hoje muito centralizada e sem processos modernos de gestão– implantando uma administração profissional e uma governança baseada no modelo proposto pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, com a criação de um conselho fiscal para evitar que a instituição feche as portas, como ocorreu nos últimos dias.

Seriam ampliadas as fontes de receita dos 700 contratos de aluguéis que nos últimos seis anos cresceram menos que o IPCA, além de desenvolver um setor de captação de recursos profissionalizado.

Com essas mudanças, a perspectiva era que após um ano e meio já seriam alcançados resultados positivos, a capacidade de investimentos e condições de amortizar as dívidas bancárias com fornecedores estariam sanadas.

Para enfrentar a dramática situação atual, entendo que deveríamos unir esforços partindo do que propusemos em nossa campanha como a reformulação total da gestão, com planejamento, criatividade, credibilidade e, sobretudo, com muito trabalho e esforço de todos: governo, sociedade e membros da Irmandade. Mãos à obra!

JOSÉ LUIZ SETÚBAL, 57, pediatra, é presidente da Fundação José Luiz Egydio Setúbal, da qual faz parte o hospital Sabará, e integrante da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo

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