Folha de S. Paulo


Brics ampliam segurança do sistema financeiro? Não

MAÍLSON DA NÓBREGA: LONGE DE SER UM SEGURO PARA CRISES

A criação pelos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) do Novo Banco e do Arranjo Contingente de Reservas (ACR) tem inegável conteúdo político, mas limitada relevância para financiar investimentos ou enfrentar crises.

É meramente retórica, assim, a declaração da presidente Dilma Rousseff, para quem essas instituições constituem "um seguro dos Brics contra a instabilidade do mercado financeiro internacional".

Números dizem melhor. No Brasil, a última crise financeira (2002) foi debelada mediante um acordo com o FMI, quando os mercados receavam que Lula, então candidato à Presidência na liderança das pesquisas, adotasse o temerário programa do PT. As necessidades de financiamento externo eram então de US$ 38,8 bilhões, abrangendo um deficit no balanço de pagamentos em conta-corrente de US$ 7,6 bilhões. O valor da assistência foi de US$ 30 bilhões, ou 77,3% do total.

Estima-se para 2014 um deficit em conta-corrente de US$ 90 bilhões e necessidades de financiamento de US$ 153 bilhões. Se ocorresse nova crise de confiança e precisássemos de assistência semelhante, o valor seria de US$ 118 bilhões. No ACR, podemos sacar uma vez o valor de nossa conta, de US$ 18 bilhões, mas apenas 30% imediatamente (US$ 5,4 bilhões). Os outros 70% dependeriam de um acordo com o FMI.

O FMI ainda é o principal seguro. Nos últimos anos, houve aumento substancial do volume das transações e das necessidades de financiamento de países deficitários.

Ao longo de sua crise (2010), a Grécia recebeu € 110 bilhões (US$ 145 bilhões) do FMI e da União Europeia, ou 50% do PIB. Caso fosse o Brasil, na mesma proporção, seria US$ 1,1 trilhão. Claro, a Grécia foi um caso extremo, mas realça o agigantamento das cifras.

Se uma nova crise envolvesse maior número de países, como em 1982 (América Latina) e 1997 (Ásia), o ACR seria café pequeno. Estaria muito longe de ser um seguro.

Em resumo, os mecanismos relevantes para enfrentar crises financeiras ainda serão por muito tempo o FMI e instituições de países ricos. Na crise de 2008, o Federal Reserve (o banco central norte-americano) ofereceu linhas de crédito para outros bancos centrais. A linha concedida ao Brasil foi de US$ 30 bilhões. O ACR pode contribuir, mas em níveis modestíssimos. Não será um salvador da pátria.

Quanto ao Novo Banco, são exageradas as expectativas do governo brasileiro de que fará diferença para países emergentes. A China não precisará dele. O Brasil tampouco. Já recorre pouco ao Banco Mundial, que empresta essencialmente aos Estados e municípios. O BNDES é sete vezes maior.

Uma das vantagens de instituições como o Novo Banco é captar recursos mais baratos no mercado internacional, repassando o benefício aos tomadores. Para isso, precisa ter classificação de risco triplo A, o que exige administração profissional, critérios técnicos na concessão de crédito e boa governança. Ou seja, tende a ser um Banco Mundial de pequeno porte. Difícil dizer qual sua grande contribuição.

Em resumo, as decisões dos Brics podem ser vistas como uma ação legítima para pressionar os países ricos a reverem a desatualizada estrutura de poder do FMI e do Banco Mundial, ainda presa aos tempos dos acordos de Bretton Woods (1944). É preciso considerar a nova realidade da economia mundial. Não faz sentido, por exemplo, que a Bélgica tenha a mesma participação da China no capital no FMI.

É um exagero, pois, dizer que se criou um novo seguro ou que as novas instituições terão papel relevante para enfrentar crises financeiras internacionais.

MAÍLSON DA NÓBREGA, 71, economista, é sócio-diretor da consultoria Tendências. Foi ministro da Fazenda (governo José Sarney)

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