Folha de S. Paulo


Brics ampliam segurança do sistema financeiro? Sim

STEPHANY GRIFFITH-JONES, BARBARA FRITZ E MARCOS A. M. CINTRA: INSTABILIDADE CAMBIAL E COOPERAÇÃO

A volatilidade dos fluxos internacionais de capitais faz com que as economias emergentes fiquem sujeitas aos movimentos de boom e bust. Na euforia, investidores invadem as praças financeiras, valorizam os ativos mobiliários e imobiliários, apreciam as taxas de câmbio. Na crise, desvalorizavam os ativos e o câmbio, o interbancário e os mercados de capitais internacionais se retraem e os custos dos empréstimos se elevam.

Após o anúncio de redução escalonada da política monetária americana ultraexpansionista, as expectativas de desvalorização do real têm sido contidas por uma política monetária restritiva. Entre abril de 2013 e abril de 2014, o Banco Central do Brasil elevou a taxa de juros básica de 7,25% para 11%, uma das maiores do mundo em termos reais. Além de conter a atividade econômica e as exportações, criam-se novas incertezas, em face dos impactos nas contas públicas e nos balanços das empresas e das famílias.

Quais as alternativas para enfrentar essas vulnerabilidades? Uma desvalorização significativa da moeda brasileira seguida por um período de estabilidade cambial não seria uma solução mágica, mas auxiliaria a reestabelecer a competitividade das exportações, melhorando as transações correntes e a percepção de risco do país. Porém, como realizar uma maxidesvalorização sem um cataclisma: fuga de capitais, juros, inflação e desemprego em alta? Além de um acordo interno para conter a elevação temporária dos preços, tal operação requereria apoio e coordenação externa. Um provedor de liquidez internacional –garantido pelas reservas brasileiras– deveria ancorar a desvalorização controlada.

O FMI (Fundo Monetário Internacional) foi constituído com esta atribuição, mas permanece longe de exercê-la a contento. Diante disso, os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) realizaram um duplo movimento: a articulação de um sistema de proteção à instabilidade dos fluxos internacionais de capitais e uma demonstração de solidariedade entre as economias emergentes. Na Cúpula de Fortaleza, criaram um Arranjo Contingente de Reservas de US$ 100 bilhões: China contribui com US$ 41 bilhões; Brasil, Rússia e Índia, com US$ 18 bilhões cada um; África do Sul, com US$ 5 bilhões.

Cada um desses países apresentam fragilidades. Brasil, Índia e África do Sul aparecem na lista dos "cinco frágeis", com déficits em conta-corrente, baixo dinamismo do produto e do investimento, alta nos preços e nas taxas de juros. China enfrenta desaceleração econômica e desalavancagem dos governos locais e do sistema financeiro paralelo. Rússia confronta fuga de capital e desvalorização do rublo. Todavia, possuem US$ 5,3 trilhões em reservas internacionais. Pouco provável, portanto, que sofram choques externos simultâneos.

Essa margem de apoio mútuo em termos de provisão de liquidez internacional deveria operar sem condicionalidades (talvez com a criação de um secretariado). A experiência do Fundo Latino-Americano de Reservas mostra que um mecanismo regional de liquidez pode ser ágil nos desembolsos –como exige o enfrentamento de crises– e sem condicionalidades, pois nenhum país-membro deixa de saldar suas dívidas.

E, dado o papel que cada um desses países desempenha em suas regiões, poderiam assegurar instrumentos semelhantes de cooperação financeira-monetária. Essa rede de mecanismo de defesa dos abruptos movimentos de entrada e saída dos fluxos de capitais, entre os Brics e com seus vizinhos, contribuiria para uma melhor gestão da ordem financeira e monetária internacional.

Constitui decisão alvissareira e que deve começar a operar o mais rápido possível, apoiando a inserção internacional desses países e, simultaneamente, evitando um ajuste recessivo e deflacionário nas economias mais vulneráveis.

STEPHANY GRIFFITH-JONES, 67, é diretora de mercados financeiros da Iniciativa para o Diálogo de Política Econômica da Universidade Columbia
BARBARA FRITZ, 49, é professora do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade Livre de Berlim
MARCOS A. M. CINTRA, 52, é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

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