Folha de S. Paulo


Roberto Andrés: A política e os viadutos

O viaduto que caiu em Belo Horizonte na quinta-feira (3) matou duas pessoas, deixou 22 feridos e inquietou outros milhões que vivem nas cidades onde foram feitas obras para a Copa do Mundo. Com o curioso nome de Batalha dos Guararapes, o viaduto havia sido planejado para estar pronto antes da competição. Não ficou.

O viaduto integrava as obras para o BRT (sistema rápido de ônibus). Sua função, de necessidade duvidosa, era eliminar um cruzamento. Acabou eliminando duas vidas e a confiança de brasileiros e estrangeiros nas "obras da Copa". As mortes não foram novidade: oito operários morreram nas construções dos estádios, mas causaram menos comoção.

A construtora do viaduto é a Cowan. Também chegou a participar do consórcio a Delta, empresa ligada ao bicheiro Carlos Cachoeira. Em 2012, o Tribunal de Contas do Estado encontrou superfaturamento de até 350% na obra do Guararapes. A Cowan é menos conhecida que a Delta: seu caso mais notório foi ter bancado a viagem ao Caribe de secretários de Sérgio Cabral (PMDB), ex-governador do Rio de Janeiro, e Eduardo Paes (PMDB), prefeito do Rio.

Em Belo Horizonte, quando estourou a operação Monte Carlo, a prefeitura manteve a Cowan na obra e retirou a Delta. Entre as construtoras de outras obras viárias na capital está a Constran, empresa que doou R$ 500 mil à campanha do prefeito Marcio Lacerda (PSB-MG) em 2012.

Tudo isso diz respeito à relação espúria entre construtoras e governos eleitos: as obras públicas, em vez de atenderem às reais demandas da sociedade, financiam campanhas.

O mais grave é quando uma obra cai e pessoas morrem. Mas o conjunto de viadutos que se implantou em Belo Horizonte é, mesmo de pé, um desserviço urbanístico, um cemitério do rodoviarismo moderno em pleno século 21.

Viadutos são a maneira mais rápida de se conectar dois engarrafamentos. Em 1989, um terremoto abalou as estruturas de um complexo de vias elevadas na cidade de San Francisco, nos Estados Unidos. Como o trânsito não entrou em colapso e a cidade se adaptou, a maioria dos residentes preferiu que as vias elevadas fossem removidas.

A remoção não piorou o trânsito. E a cidade ganhou uma nova praça e um calçadão ao longo da orla de 400 mil m². Foram construídas 3.000 unidades residenciais, cerca de 190 mil m² de escritórios comerciais e 35 mil m² de comércio varejista, tudo em espaços antes ocupados por vias para carros.

Histórias como a de San Francisco são detalhadas no livro "Morte e Vida das Rodovias Urbanas", publicado pela ONG que promove o transporte sustentável ITDP (sigla em inglês para Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento). O livro reúne exemplos de demolições de viadutos, vias expressas e pistas elevadas em cidades como Toronto, Seattle, Paris, Berlim, Boston, Bogotá e Seul.

Nessas cidades os viadutos não caíram por força do descaso ou por incompetência de engenheiros, mas pela vontade de se ter espaços urbanos melhores.

Em todos os casos de supressão das grandes infraestruturas para carros, dois fatos se repetem: o trânsito melhora e o custo de eliminação das vias elevadas é menor do que o de sua manutenção. O estudo do ITDP mostra que, com o alargamento de vias e a construção de viadutos, o número de automóveis tende a aumentar proporcionalmente ao espaço aberto, saturando-o rapidamente. Por outro lado, a supressão das vias induz à redução das viagens, migrando passageiros para o transporte coletivo ou vias alternativas.

Se urge a apuração dos responsáveis pela tragédia do Guararapes mineiro, urge também que se reavalie o anacrônico modelo de mobilidade urbana que ainda se implanta em cidades brasileiras. Viadutos degradam cidades, roubam espaço urbano e não melhoram o trânsito. E, embora sirvam para abastecer o caixa de generosas construtoras, quando são feitos às pressas podem cair na cabeça de quem não escolheu construí-los.

ROBERTO ANDRÉS, 33, é arquiteto, professor na Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerias e editor da revista "Piseagrama"

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