Folha de S. Paulo


Bebida alcoólica deve ser liberada em estádios? Sim

VICENTE CÂNDIDO: CONSUMO RESPONSÁVEL

Uma Copa do Mundo que, antes de seu término, já ganhou o título de o melhor Mundial de todos traz algumas lições sobre sua realização. Pesquisa realizada pelo portal UOL com 117 jornalistas estrangeiros que cobrem o evento aponta que 38% avaliam esta Copa como a melhor edição do campeonato.

O país que, historicamente, joga o melhor futebol do mundo também deve ter as melhores condições para a prática esportiva e para a sua audiência. Foi com a Lei Geral da Copa (nº 12.663/2012) que se consolidou a segurança jurídica para a realização do evento e a incorporação de práticas que o viabilizam economicamente em todo o país.

Com esse norte, foi aprovada na Lei Geral a comercialização de bebidas alcoólicas nos estádios durante o torneio. É certo que o tema é polêmico –e não apenas no Brasil. Na condição de relator da lei, tive a oportunidade de discutir o tema com representantes da União Europeia de Futebol Association (Uefa). Também tivemos como referência estudos da legislação norte-americana. Trazemos como resultado um aprendizado para promover um debate técnico, jurídico, social e sem hipocrisia sobre o tema.

O consumo de bebidas alcoólicas antes, durante e depois de eventos futebolísticos é uma realidade com a qual temos que lidar, e não simplesmente ignorar. É preciso normatizar esse consumo uniformemente no país, que está cada vez mais inserido no roteiro de grandes eventos internacionais –esportivos ou não.

Do ponto de vista dos fabricantes de bebidas, a venda do produto no interior do estádio não tem tanta relevância comercial. Já para o concessionário do estádio, que pode negociar os "naming rights" (a prática da concessão de direitos de nome por empresas proprietárias de um estabelecimento a uma marca ou produto), a venda de bebidas alcoólicas é importante economicamente. O mesmo vale para os subconcessionários como lanchonetes, bares, restaurantes e camarotes.

Para o torcedor, a liberação da bebida nas arenas trará organização e conforto. A regulamentação permite a definição e o controle dos pontos de venda e de seu padrão de higiene –nem sempre respeitado nos arredores dos estádios. Ainda, como apontam os pesquisadores ingleses Pearson & Sale, a proibição faz com que os torcedores que optam por beber só entrem nas arenas em cima da hora do jogo, gerando tumulto.

Modelos de normatização com limites como o de Portugal e da Inglaterra, que estipulam locais limitados para o consumo de bebidas, parecem o ideal para o Brasil. Seria efetivo, como complementação, delegar a responsabilização por eventual comportamento inadequado de torcedor aos organizadores do evento.

Um ponto polêmico desse debate é o aumento, ou não, da violência associada ao consumo de bebidas alcoólicas dentro dos estádios. Estudo da Fundação Getulio Vargas de 2012 mostra que não há comprovação dessa relação. Segundo a pesquisa, a violência é despertada por uma mistura explosiva de fatores como a presença de grupos fanáticos de torcedores, decisões de árbitros, declarações de jogadores, infraestrutura inadequada dos estádios e falta de controle policial.

Estamos obrigados a tomar uma posição. A Copa terminará e o futebol continuará sendo o esporte mais popular do país. Aposto numa evolução da cidadania e no uso de tecnologia para o gerenciamento de abusos, como ocorre em outros países. Pelas características do Brasil, que realiza eventos da dimensão do GP de Fórmula 1, do Carnaval e do Réveillon, e todos eles com a comercialização de bebidas, não podemos ter o futebol como vilão.

A Copa já nos traz alguns aprendizados sobre onde e como regular o consumo. Resta-nos aproveitar a expertise e deixar o jogo rolar.

VICENTE CÂNDIDO, 54, deputado federal (PT-SP), é presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados e relator da Lei Geral da Copa

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