Folha de S. Paulo


Rogério Amato: O MTST e o estado de anomia

A capital paulista vem sofrendo, nas últimas semanas, com greves legais e ilegais, ocupações de terrenos e imóveis, manifestações violentas e pacíficas e outras ações que paralisam o trânsito, tumultuam a vida da cidade, provocam desgaste e revolta e castigam duramente a população, que assiste impotente ao cerceamento de seu direito de circular livremente.

Essa situação se agravou com a atuação dos autointitulados "sem-teto" ligados ao MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto), que ocuparam um terreno nas proximidades da Arena Corinthians, invadiram as sedes das empreiteiras e da empresa proprietária do terreno e promoveram manifestações com a participação, inclusive, de idosos e crianças, colocando-os em risco.

Não contente com esse tumulto, o coordenador do movimento, Guilherme Boulos, afirmou que as ações iriam continuar e que seriam promovidos atos na cidade até o início da Copa. Mais grave do que as manifestações foi a ameaça de Boulos de que, se a Justiça decretasse a reintegração de posse do terreno de 150 mil m² invadido pelo MTST "sem negociar, sem oferecer garantias reais às famílias", "vai haver resistência. Se eles insistirem vai ter uma Copa de Sangue".

Essa ameaça não esclarece de quem seria o sangue derramado: dos que resistissem de qualquer jeito ou dos policiais que fossem cumprir a determinação da Justiça. A afirmação significa claramente uma tentativa de pressionar a Justiça, além de representar uma incitação à violência que exigiria uma ação das autoridades. Além disso, é importante lembrar a necessidade de se conhecer a origem do dinheiro utilizado nas invasões e manifestações, que certamente demandam recursos significativos e capacidade logística.

Essas invasões de prédios e terrenos são consequência da tolerância com as ações do MST (Movimento Sem Terra) nas zonas rurais –há mais de uma década, o movimento começou a invadir propriedades e a praticar atos de violência sem que houvesse qualquer reação das autoridades. Pelo contrário: o governo não só se omitiu como também estimulou as contravenções, com declarações como "não se poderia criminalizar movimentos sociais". E recebeu os líderes do movimento após as ações ilegais, sempre prometendo atender reivindicações ou implantar novos benefícios.

O que estamos vivendo é resultado, também, da passividade das elites urbanas, já que muitas entidades empresariais pareciam considerar que isso era um problema que estava restrito ao setor rural e que não representava agressão às instituições.

Os mesmos motivos e argumentos utilizados pelo MST, que oferece suporte ao MTST, servem de pretexto para as ações dos sem-teto, uma vez que os objetivos dos dois grupos são claramente contestar a propriedade privada e o regime capitalista, embora apenas o primeiro grupo tenha assumido claramente essa posição em diversas manifestações de seus dirigentes.

A incitação do prefeito Fernando Haddad para que os manifestantes pressionassem a Câmara Municipal e a audiência da presidente Dilma Rousseff com os líderes do MTST parecem sinalizar que as invasões são o caminho para serem atendidos, mesmo que em detrimento de muita gente que está pacientemente esperando a sua vez para ter um teto.

A ameaça do coordenador do MTST não deve ser subestimada, mas não pode servir para impedir que a Justiça atue com independência. Caso contrário, estar-se-ia colocando em risco as instituições, que não podem tratar diferentemente cidadãos em condições de igualdade, gerando dúvidas sobre a capacidade do Estado de garantir o direito de propriedade e assegurar a manutenção da ordem. Seria mais um passo em direção ao "estado de anomia" de que fala Ralf Dahrendorf, quando as normas sociais reguladoras do comportamento das pessoas perdem validade. Afinal, se as violações das normas não são punidas, ou não são punidas de forma sistemática, elas tornam-se, em si, sistemáticas.

ROGÉRIO AMATO, 65, é presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (Facesp) e presidente interino da Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB)

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