Folha de S. Paulo


Marcos Moraes: Luta que não se apaga

O Dia Mundial Sem Tabaco, 31 de maio, é um convite para que o poder público se empenhe de forma mais compromissada para proteger a população da dependência à nicotina, em especial os jovens, principais alvos das estratégias poderosas da indústria do fumo.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) chamou a atenção para a necessidade de os governos continuarem a fortalecer suas políticas de aumento de preços e impostos sobre os produtos de tabaco. Tal estratégia é mais efetiva para reduzir a prevalência de fumantes: ela tem uma relação direta com a queda do percentual de doenças e mortes causadas pelo tabagismo.

A campanha da OMS se baseia em estudos que comprovam resultados positivos em países que atualizaram seus sistemas de tributação aumentando os preços e impostos incidentes sobre o cigarro. Protege-se, assim, as crianças e adolescentes, especialmente das camadas sociais menos favorecidas, de um produto que não traz nenhum benefício para quem consome. Pelo contrário, gera doenças graves, onera os cofres públicos e mata mais de 130 mil indivíduos por ano no país.

A prevalência de fumantes no Brasil, uma das menores do mundo, é um claro reflexo do sucesso das medidas governamentais das últimas duas décadas. No entanto, desde 2011 paramos no tempo, em especial no que se refere à regulamentação da Lei Nacional Antifumo (nº 12.546/11) e à proibição de cigarros com sabores. A lei prevê a proibição do tabagismo em recintos coletivos fechados e o banimento da propaganda de cigarros e outros produtos derivados do tabaco nos pontos de venda.

Seria uma vitória fundamental, mas a não regulamentação da lei faz com que não haja fiscalização. Isso facilita que fabricantes de cigarro continuem praticando um marketing agressivo, voltado especialmente para fisgar jovens e impedir fumantes que desejam parar.

Outra medida urgente é a proibição dos aditivos que mascaram o verdadeiro gosto dos cigarros. O Brasil seria pioneiro ao dar tão importante passo na prevenção do tabagismo entre os jovens caso tirasse o projeto do papel e não cedesse aos apelos falaciosos da indústria.

O que a indústria não declara publicamente é que alguns dos ingredientes adicionados aos cigarros, além de terem o objetivo de melhorar o sabor e a sensação de irritação causada pela fumaça, também atuam potencializando a dependência. Além disso, alguns desses aditivos, após a combustão, transformam-se em substâncias tóxicas e cancerígenas.

É fundamental que o Supremo Tribunal Federal (STF) se posicione o mais breve possível a favor da proibição dos aditivos e da competência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em regular produtos de tabaco.

O 31 de maio é também uma ocasião conveniente para reacendermos a discussão sobre o cigarro eletrônico, a grande ameaça do momento que se alastra no mundo todo. Vemos surgir um novo negócio, que envolve bilhões, com a tentativa de se apostar em um substituto para o cigarro e vendê-lo como uma alternativa saudável tanto para o consumo como para ajudar as pessoas a parar de fumar.

O cigarro eletrônico possui nicotina tal como o cigarro comum. Nicotina é uma droga que provoca alto grau de dependência, e seu uso é mais difícil de interromper do que o da cocaína. Ora, se a nicotina causa dependência, será que o cigarro eletrônico poderia atuar no combate ao vício? Se a própria indústria do tabaco está investindo no novo negócio, certamente não é para ajudar os fumantes, mas sim para modernizar a dependência.

MARCOS FERNANDO DE OLIVEIRA MORAES, 75, oncologista, é presidente do conselho de curadores da Fundação do Câncer

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