Folha de S. Paulo


O envio de haitianos a SP pelo Acre é irregular? Não

RECLAMAR MENOS, TRABALHAR MAIS

Nos últimos dias, muito se tem falado sobre a situação dos imigrantes que têm o Acre como porta de entrada para o Brasil. O fato novo é que um pequeno número deles tem se concentrado numa paróquia na cidade de São Paulo.

As manifestações vindas do governo do Estado de São Paulo dão a entender que o governo do Acre fechou o abrigo de Brasileia e de certo modo quer se livrar dos imigrantes de forma irresponsável, enviando-os para São Paulo sem que as autoridades do município e do Estado tenham sido devidamente informadas.

Definitivamente, não se trata disso. Os problemas decorrentes da cheia do rio Madeira são inúmeros, a ponto de estarmos em estado de calamidade pública. Esse fato afetou também os imigrantes, que, por não poderem seguir viagem pela rodovia rumo ao seu destino, ficaram retidos em Brasileia. De 31 de março a 11 de abril, chegaram por dia uma média de 40 haitianos, que não deixavam o município, mesmo documentados. Chegamos a uma situação de descontrole total, com cerca de 2.500 imigrantes em Brasileia. Isso significa 20% da população urbana do município.

Como administrar isso? Evidente que estávamos à beira de uma tragédia. Antes que ela acontecesse, tomamos a decisão de fechar o abrigo de Brasileia, por absoluta falta de condições, e ao mesmo tempo, instalar um abrigo em Rio Branco. Vendo o elevado número de imigrantes já documentados, decidimos facilitar sua viagem ao seu destino final. Como? Creio que sabiamente aproveitamos a vinda de aviões cargueiros que estavam abastecendo o Estado e embarcamos os imigrantes até Porto Velho. De lá, em ônibus, eles seguem ao seu destino. Os custos dessa operação é de responsabilidade do governo do Acre, que busca apoio do governo federal. Todos os imigrantes documentados, em torno de 2.200, seguiram viagem. Permanecem no abrigo em Rio Branco aproximadamente 510, em fase de documentação.

Como nossa política imigratória, definida pelo governo federal, é de fronteira aberta, creio que novos imigrantes chegarão. Continuarão recebendo nosso atendimento, como já estamos fazendo há três anos e cinco meses. Nesse período, já passaram pelo Acre mais de 20 mil imigrantes, todos documentados e encaminhados ao seu destino. Decidiram morar no Acre 40 deles.

Quanto ao roteiro, os imigrantes seguiam no trajeto já conhecido: tomavam o ônibus de Brasileia até o aeroporto de Rio Branco e de lá eram transferidos para Porto Velho por via aérea, nos aviões que vêm abastecer a cidade em consequência da interrupção da BR-364. De Porto Velho, tomam ônibus até São Paulo.

É o mesmo roteiro que os imigrantes percorrem há mais de três anos. Um grupo sempre segue para Rondônia, outros para Cuiabá, outros para São Paulo e outros ainda, a grande maioria, seguem de São Paulo para os Estados do Sul do país.

Algumas pessoas podem interpretar a ação do governo do Acre como se estivéssemos nos "desfazendo" irresponsavelmente dos imigrantes, ou até gerando confronto com outros governos. Nada disso procede. Estamos apenas acelerando o processo que os imigrantes normalmente fazem, mas que no geral é mais demorado. Quanto mais rápido saírem do Acre, melhor para os imigrantes, pois mais cedo se encontrarão com seus parentes e ingressarão no mercado de trabalho.

Críticas fazem parte do debate democrático. Mas, vemos nas procedentes do governo de São Paulo muito preconceito e um certo desejo de exploração política, pois trata-se de imigrantes negros e pobres. Se fossem brancos e europeus, o tratamento seria o mesmo? Melhor trabalhar mais e reclamar menos. É o que estamos fazendo há anos.

NILSON MOURÃO, 62, mestre em ciências sociais pela Pontifícia Universidade Católica de SP, é secretário de Estado de Justiça e Direitos Humanos do Acre

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