Folha de S. Paulo


Frida Fischer e Elaine Marqueze: A nova legislação dos aeronautas

Para milhões de pessoas, viajar de avião é algo tão rotineiro quanto se deslocar de carro ou ônibus. Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia Estatística), quase 72 milhões de passageiros foram transportados no Brasil em 2010. Somente no aeroporto de Guarulhos, mais de 290 mil operações de voo ocorreram em 2013. Tais números representaram aumento de 4,1% em relação ao ano anterior, segundo o Anuário Estatístico de Tráfego Aéreo.

Os dados revelam a importância do transporte aéreo, que impacta os negócios, lazer, meio ambiente e a segurança das operações de voos. O objetivo deste texto é chamar a atenção para uma questão particularmente importante e pouco conhecida do grande público: a jornada de trabalho dos aeronautas.

Quem não está familiarizado com as condições de trabalho dos aeronautas ficaria surpreso em tomar conhecimento de como são organizadas suas escalas de trabalho. A principal característica é a irregularidade dos horários, que incluem jornadas que se iniciam a qualquer momento, com frequência considerável de trabalho noturno e nos fins de semana.

Dados preliminares de uma pesquisa da Associação Brasileira de Pilotos da Aviação Civil (Abrapac), que entrevistou 391 pilotos brasileiros empregados na aviação regular, mostram que 97,2% dos aeronautas trabalham em turnos que incluem o trabalho noturno. Numerosas publicações científicas relatam que trabalhar à noite prejudica a saúde, inclusive o sono. São particularmente descritas as dificuldades na manutenção de adequado nível de alerta durante alguns períodos da vigília, sobretudo durante os intervalos compreendidos após 12-15 horas e ao longo da madrugada.

Na pesquisa, 38,1% dos pilotos relataram que não dormem o suficiente e 78,6% indicaram que ao final de uma jornada de trabalho se sentem realmente exaustos. Isso revela que tanto o horário de trabalho como a duração da jornada são importantes no desenvolvimento dos sintomas de sonolência e cansaço.

Segundo a legislação vigente no Brasil (lei nº 7.183 de 5/4/1984), os aeronautas podem trabalhar até 85 horas mensais, sendo a duração máxima do trabalho diário diferenciada segundo as características da tripulação: 11 horas para tripulação simples, 14 horas para tripulação composta e 20 horas para tripulação de revezamento.

Passados 30 anos, uma nova regulamentação está sendo discutida. Em 2011, o projeto de lei nº 434 foi apresentado ao Senado Federal. Uma das mudanças é relativa à duração da jornada: foi proposto trabalho diário com até 14 horas de duração, tanto para tripulações simples como compostas. A proposta causou inquietação entre os órgãos associativos dos aeronautas.

Sabe-se há décadas que é diferente, em termos de bem-estar e realização de tarefas complexas, iniciar ou finalizar o trabalho durante a madrugada comparando-se com horários diurnos. Apenas a redução da jornada de trabalho, principalmente a noturna, pode ser insuficiente para a completa recuperação dos aeronautas. Por isso, a duração do tempo de repouso também deve levar em conta o horário de trabalho. A importância desses e de outros fatores merecem ser considerados na nova legislação.

Ressalta-se ser necessário que o novo projeto de lei, do qual participam representantes dos trabalhadores, governo e empresas, também se apoie na abundante literatura científica relativa ao trabalho em turnos e noturno, para que as escalas de trabalho e repouso sejam adequadas tanto às tripulações quanto à segurança dos voos.

FRIDA MARINA FISCHER, 63, é professora titular do Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da USP
ELAINE CRISTINA MARQUEZE, 38, é professora assistente do programa de mestrado e doutorado em saúde coletiva da Universidade Católica de Santos

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