Folha de S. Paulo


Editorial: O Estado da Ucrânia

Acirram-se novamente os conflitos geopolíticos no território da Ucrânia. Depois da anexação da Crimeia pela Rússia, em março, manifestações separatistas agora ganham corpo no leste do país, onde a presença demográfica e cultural russa é mais forte.

Já estava evidente, à época em que o referendo sobre a independência da Crimeia foi realizado, que as potências ocidentais dificilmente lograriam frear os anseios intervencionistas do Kremlin sem impor sanções contra o governo de Vladimir Putin mais firmes que as até aqui aventadas.

Pouco foi feito nesse sentido, afora tímidas restrições financeiras e diplomáticas. Um episódio registrado no último fim de semana indica a desenvoltura do governo russo: um avião militar de reconhecimento e ataque a serviço de Moscou teria sobrevoado 12 vezes um navio de guerra dos Estados Unidos no mar Negro. Não houve consequência prática dessa pequena provocação.

Parece claro, ainda, que a Rússia estimula –ou até mesmo promove– as ocupações populares de prédios públicos e os protestos que pedem a realização de referendos separatistas em diversas localidades no leste ucraniano. Convém assinalar, entretanto, que sua interferência encontra expressivo amparo social nessas regiões.

Enraizou-se, na vida política ucraniana, uma mentalidade de concentração de forças nas mãos do grupo vitorioso nas eleições presidenciais. A atual Constituição confere ao chefe do Executivo o poder de nomear os líderes das administrações regionais, com a prerrogativa de destituí-los a qualquer tempo.

Sob tais condições, parece compreensível que a população de origem e língua russas no leste do país tema que seus interesses sejam desconsiderados caso forças políticas mais próximas da União Europeia vençam a disputa presidencial de maio.

Nesse cenário, ganha corpo a discussão sobre uma reorganização política da Ucrânia. Se deixasse de ser um Estado unitário e passasse à forma federativa, o país teria mais instrumentos para acomodar e balancear os interesses dos diversos grupos que compõem sua sociedade.

A atual batalha entre esferas de influência –Ocidente ou Rússia– poderia assim, talvez, reenquadrar-se num processo democrático, sem aventuras militares. Menos mal que o acordo para debelar essa crise, obtido ontem em reunião internacional, já contemple a hipótese de ampla e transparente revisão constitucional.


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