Folha de S. Paulo


Athos Comolatti, Paulo von Poser e Wilson Levy: A cidade e o parque Minhocão

No último dia 25 de janeiro, a cidade de São Paulo comemorou 460 anos. Na mesma data, aniversariou o elevado Presidente Costa e Silva, popularmente conhecido como Minhocão. Inaugurado em 1971, em plena ditadura militar, é a obra que mais polêmica e discussão gerou na história recente da capital paulista.

Sua construção obedeceu a um script conhecido: o de que cabe ao Poder Executivo municipal a primazia de planejar e ordenar o uso e a ocupação do solo urbano, assertiva que uma leitura imprecisa extrai do art. 30, VIII, da Constituição Federal. E assim foi: em menos de um ano estava de pé, qual verdadeiro monumento ao automóvel e aos equívocos das decisões autoritárias.

Em pouco tempo, as formas de poluição que sua existência gerou degradaram os imóveis do entorno e estigmatizaram seus moradores. A via elevada é hoje, de segunda a sábado, das 6h30 às 21h30, mero espaço de passagem, embora seu subsolo guarde importante trecho da linha 3 - Vermelha do metrô.

Sucessivas administrações, com apoio de boa parte da sociedade paulistana, cogitaram demoli-lo. Trata-se de operação cara, estimada em mais de R$ 80 milhões, e ambientalmente arriscada. Não é o que defende a associação Parque Minhocão. Entendemos que a via elevada deve ser transformada em parque destinado à fruição dos cidadãos.

Criada em 2013 e sediada num apartamento no 2º andar de um edifício na avenida São João, a associação recebeu uma exposição baseada na experiência do High Line, de Nova York, como parte da 10ª Bienal de Arquitetura de São Paulo.

Desse "case" extraem-se múltiplas inspirações. A primeira refere-se ao papel ativo que a sociedade civil organizada deve exercer no planejamento urbano, que desde o Estatuto da Cidade não prescinde do componente participativo.

Vislumbra-se a chance de ressignificar uma cicatriz urbana e psíquica com forte conteúdo de negatividade que afeta a autoestima dos habitantes há quatro décadas.

A criação do parque favorecerá os elementos intangíveis da vida urbana: os espaços de lazer, de contemplação da paisagem, de afeto e de alteridade. As novas formas de economia criativa e colaborativa poderiam oferecer serviços como o aluguel de bicicletas e comida de rua, além de eventos sazonais.

A iniciativa já produziu bons frutos. No mesmo dia 25, a associação convocou uma passeata festiva. A principal reivindicação era o fechamento do Minhocão aos sábados.

O evento sensibilizou vereadores a proporem o projeto de lei nº 10/2014, que "cria o parque municipal do Minhocão e prevê a desativação gradativa do elevado Costa e Silva", com um cronograma de quatro anos, e imposição, em caso de descumprimento, de multa de R$ 100 mil mensais, descontados do orçamento da Secretaria de Comunicação e destinados à Secretaria do Verde e do Meio Ambiente.

A principal crítica refere-se ao risco de o parque estimular a especulação imobiliária e a gentrificação. Entende-se, todavia, que isso pode ser evitado com a instituição, entre outros, de Zona Especial de Interesse Social (Zeis) para garantir que parte do entorno seja destinado à habitação social. O maior ganho, porém, é o triunfo da ousadia.

ATHOS COMOLATTI, 60, é presidente da associação Parque Minhocão; PAULO VON POSER, 53, arquiteto e artista plástico, e WILSON LEVY, 28, professor universitário e doutorando em direito urbanístico, são membros da associação Parque Minhocão

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