Folha de S. Paulo


Rubem F. Novaes: Ponto sem volta

A tendência para a criação deste ente Estado, como o conhecemos, formou-se a partir da Grande Depressão dos anos 30. Ganharam força, então, as ideias intervencionistas, principalmente nas áreas de defesa do crescimento e do emprego, criação de uma rede de proteção social e regulamentação da atividade privada.

Getúlio Vargas, governante de viés centralizador e autoritário, aproveitou-se do clima reinante para dar partida ao nosso processo de estatização. Ao suicidar-se, em 1954, deixou-nos, como legados, entre outros, uma legislação trabalhista inspirada na "Carta del Lavoro" de Mussolini, o BNDES, o Banco do Nordeste, a Petrobrás, a Vale do Rio Doce, a Cia. Siderúrgica Nacional (CSN) e a Fábrica Nacional de Motores (FNM).

Desde então só fizemos expandir a participação direta do Estado na economia, embora seja correto notar que, nos tempos de Geisel, havia mais intervenção estatal indireta e era maior que o de hoje o peso relativo das empresas estatais.

Foi na época de Geisel que mais se pronunciou a ingerência governamental nos mínimos aspectos da vida empresarial. A cada setor da economia correspondia um órgão de planejamento e fomento, as empresas estatais se espalhavam pelo espectro econômico e o empresário tinha de se submeter a uma verdadeira via crucis na busca dos favores governamentais.

Em seguida ao governo Geisel, o Estado foi reduzindo seu papel de planejador e empresário, mas, em compensação, os orçamentos públicos foram crescendo para acomodar uma infinidade de programas pretensamente capazes de curar todos os males humanos. Papel relevante teve, neste aspecto, a nova Constituição de 1988, que estendeu em muito os chamados "direitos sociais", concentrando obrigações e poderes no governo central.

Como conseqüência desta evolução, as despesas públicas se aproximam, em nossos dias, da marca de 40% do PIB e não é exagero afirmar que nossos governantes já comandam mais da metade do PIB, se também considerados os orçamentos das empresas estatais e de suas fundações previdenciárias.

Mudando o foco para os beneficiários da ação estatal, estima-se que mais de 14 milhões de famílias estejam recebendo recursos do Bolsa Família. Se cada família tiver 3 eleitores, estamos falando de 25% do eleitorado. Por outro lado, segundo o IBGE, os funcionários públicos (federais, estaduais e municipais) ativos já são mais de 10 milhões. Fazendo uma conta grosseira, se somarmos, aos funcionários ativos, os inativos mais os funcionários de empresas públicas, estaremos muito próximos dos mesmos 14 milhões do Bolsa Família.

Cabe finalmente notar que a União já paga benefícios assistenciais e previdenciários a cerca de 50 milhões de pessoas e que o "Bolsa Empresário", turbinado por subsídios concedidos pelos bancos oficiais, principalmente pelo BNDES, agora transformado em usina de privilégios para os amigos, já é bem maior que o Bolsa Família.

Com este quadro, temos configurado um primeiro risco de natureza econômica e política para o país. É tanta gente empregada pelo governo, ou com interesses em um governo forte, que poderemos ter um Estado expansionista para sempre, eliminada a perspectiva de alternância de viés político ideológico, diante da vontade, transformada em votos, de uma majoritária e crescente parcela da população dependente dos dinheiros públicos.

Outro risco iminente é o de eliminação da alternância de partidos no poder. Se uma facção política despudorada está no governo e não tem escrúpulos em ocupar, com a militância, os órgãos de Estado e de usar a força destes para a obtenção de apoios do eleitorado, da classe política e de parcela do empresariado e da imprensa, é muito forte a perspectiva de que se perpetue no poder. Aproxima-se, assim, o "point of no return", a partir do qual só mesmo uma monumental crise econômica seria capaz de modificar as tendências estabelecidas.

Posto isto, é forçoso reconhecer que talvez tenhamos, nas próximas eleições presidenciais, a última chance de alterar o rumo de uma triste história.

RUBEM F. NOVAES, 68, economista com doutorado pela Universidade de Chicago, foi diretor do BNDES e presidente do Sebrae; rfnovaes@uol.com.br

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