Folha de S. Paulo


Ivan Maglio: Riscos na proposta do Plano Diretor Estratégico

O projeto do novo Plano Diretor Estratégico (PDE) do município de São Paulo propõe que no entorno dos eixos de transportes públicos, em faixas de 150 metros e em um raio de 400 metros das estações, seja permitido construir até quatro vezes a área dos terrenos ali situados. Isso vale tanto para eixos já existentes como para novos eixos a serem implantados até 2024.

Tal modelo ocorrerá sem que se estabeleçam limites máximos para construções. Isso se aplica a uma área de cerca de 11% do território da cidade, em toda a denominada "rede de transformação urbana futura". São áreas muito maiores do que as atuais operações urbanas já aprovadas por lei, e serão permitidas construções sem uma avaliação de seus impactos ambientais.

A proposta libera cerca de 500 milhões de m² de permissão para construir, visando "orientar a produção imobiliária para as áreas dotadas de sistemas de transportes coletivos, evitando impactos negativos no funcionamento e nos tecidos urbanos de bairros predominantemente residenciais". Ou seja, a pretexto de favorecer a mobilidade urbana e aproximar a relação casa e trabalho, que são conceitualmente corretos, cria-se uma liberalidade urbanística com graves consequências para a cidade.

Já em crise de mobilidade urbana, São Paulo será exposta a uma situação de inclassificável risco ambiental, usando-se como "justificativa" o objetivo de fortalecer a rede de transportes de massa. Os responsáveis pela proposta deveriam no mínimo apresentar uma mensuração dos impactos ambientais que tal medida acarretará no ambiente urbano e nos modos de transporte, já bastante saturados pela escassez de linhas. Trata-se de forma falaciosa de pegar "carona" na discussão da mobilidade urbana para promover uma mega transformação urbanística, que mais parece uma operação imobiliária ao gosto do mercado.

Se houver a aprovação dessa proposta, como desdobramento imediato serão desmontadas as diretrizes de zoneamento e parâmetros urbanísticos definidos para os Planos Regionais Estratégicos e na Lei de Zoneamento 13.885/2004. Tudo de uma só vez!

E de pouco adiantam as explicações, reafirmando que almejam apenas a revisão do atual PDE, e que mantêm seus instrumentos, objetivos e princípios, tais como a aplicação das Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis) e todos os instrumentos urbanísticos. Na forma proposta, o PDE cria um modelo urbanístico sem limites, propondo construções de prédios de 30 a 40 andares em áreas completamente diferentes do ponto de vista urbanístico e ambiental. Exemplos são as áreas de proteção aos mananciais entre a represa Billings e a Guarapiranga, e mesmo avenidas importantes, mas sem dimensões adequadas, existentes na maioria dos bairros paulistanos atravessados por redes de transporte de massa.

Ao mesmo tempo, o modelo urbanístico retirou da proposta, sem nenhuma explicação, a rede hídrico-ambiental. Instituída pelo PDE em vigor, ela propõe a recuperação dos rios, várzeas, fundos de vale e a desocupação de áreas para a criação de parques, de forma a criar eixos de áreas verdes para ampliar a sustentabilidade urbana.

Pelas regras do PDE de 2002, os eixos de transporte já são considerados áreas de intervenção urbana, porém sua implantação deve ser aprovada por leis específicas, escalonando trechos onde cabem alterações, caso a caso e com limites territoriais e projetos de urbanização bem delineados. Na forma proposta, permissiva, sem avaliação urbanística, ambiental e projeto urbano, trata-se apenas de uma liberação ao adensamento e verticalização sem precedentes na cidade.

A título de comparação, a atual lei 13.885, aprovada em 2004, permitiu a construção de 10 milhões de m² para a verticalização na cidade (com base no que se construiu na década de 1990-2000). Isso se dá mediante a compra de solo categorizado acima do coeficiente 1 (uma vez a área dos terrenos) por meio da aplicação da outorga onerosa –contrapartida financeira paga à prefeitura para construir edifícios mais altos que o estabelecido para a região.

A proposta atual visa acrescentar cerca de 400 milhões de m², aplicando uma nova fórmula para o cálculo da outorga onerosa em que o pagamento se torna mais barato à medida que se constrói mais, o que significa a possibilidade de se construir 40 a 50 vezes a mais do que o permitido no PDE atual.

A proposta não atualiza ou faz a revisão do PDE atual, mas propõe outro modelo de cidade. Sem indicar o caminho entre a legislação atual e a proposta, libera o principal elemento de controle urbanístico do PDE, os estoques construtivos. É premente a rediscussão dessa proposta, nessa fase em que o PDE ainda está em análise e discussão pela Câmara Municipal.

IVAN MAGLIO, engenheiro civil, é doutor em saúde ambiental pela USP. Ex-diretor de Planos Urbanos da Secretaria Municipal do Planejamento de São Paulo (atual Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano)

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