Folha de S. Paulo


Mônica Bergamo: Um blog para Marcola

Então quer dizer que, assim como condenados do mensalão, o Marcola, líder do PCC em SP, e o traficante Fernandinho Beira-Mar também deveriam ser autorizados a dar entrevistas? E a manter um blog na internet enquanto estão presos?

A pergunta é feita por pessoas que concordam com Joaquim Barbosa, presidente do STF: os condenados "por corrupção" deveriam ficar "no ostracismo". A imprensa (em especial a Folha) erra ao abrir a eles "suas páginas nobres".

Barbosa diz que até mesmo ministros do STF têm restrições: não podem falar de processos. Não podem frequentar todos os lugares que desejam. Que dirá um preso? E ainda com conexões políticas, capazes de minar, com ataques, a credibilidade da Justiça?

São argumentos relevantes. Sob diversos pontos de vista, no entanto, é possível, e até desejável, que condenados possam se expressar.

A Lei de Execução Penal, em seu artigo 3º, é clara: ao condenado são assegurados "todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei".

Eles podem pensar. Eles podem se expressar.

A lei veda a comunicação telefônica e por rádio porque não é possível controlar seu conteúdo. O preso, com um celular, pode ordenar crimes.

Mas não veda, e até garante, a comunicação escrita com o mundo exterior.

Em habeas corpus, o ministro Celso de Mello admitiu que a correspondência do preso pode ser interceptada, "sempre excepcionalmente", por razões de segurança, de disciplina penitenciária ou de preservação da ordem jurídica.

A lei não veda que a correspondência seja publicada em um blog, desde que não cometa nem faça apologia ao crime.

Entrevistas de presos são autorizadas pelos juízes de execução –que observam as condições de segurança antes de permitir o contato de um jornalista com o condenado.

O italiano Cesare Battisti deu entrevistas no presídio da Papuda –autorizado pelo STF.

Não se trata de jabuticaba brasileira. O escritor Fernando Morais entrevistou, para seu livro "Os Últimos Soldados da Guerra Fria", presos cubanos condenados por espionagem nos EUA.

Eles estavam em presídios de segurança máxima. E falaram mal das condições carcerárias.

Na Venezuela, Raul Baduel, preso por corrupção e dissidente do chavismo, escreve cartas que são publicadas por familiares em seu blog.

Tão ou mais importante que o direito dos presos, porém, é o direito do cidadão brasileiro de ter acesso às versões de condenados –sejam eles José Dirceu, Marcola ou Beira-Mar –, ainda que elas não tenham prevalecido nos tribunais.

"O que vige é a transparência", diz o ministro Marco Aurélio Mello. "Você não emudece quem quer que seja em uma democracia."

ANDRÉ SINGER, que assina esta coluna aos sábados, está em férias


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