Folha de S. Paulo


Holmer Savastano Jr. e Vanderley M. John: Perspectivas do fibrocimento sem amianto no Brasil

As telhas onduladas de fibrocimento representam atualmente no Brasil um mercado de aproximadamente 250 milhões de m² de telhas por ano, cerca da metade da área de telhados consumida no País. Em torno de 80% deste mercado é ainda de cimento amianto, cuja substituição vem sendo discutida há mais de 20 anos no país. Esta é uma realidade comum nos países em desenvolvimento, como China, Índia, Malásia e Tailândia.

Parcela significativa dessas telhas é usada na habitação de baixa renda, seguida de galpões industriais e do agronegócio. Os fibrocimentos, por serem produtos leves, são uma opção barata e de baixo impacto ambiental para a produção de telhados e de chapas planas para paredes. Trata-se de um produto estratégico para o país, cuja adaptação precisa ser realizada de forma planejada e segura.

A tecnologia consolidada mundialmente para a produção de telhas onduladas de fibrocimento, sem amianto, utiliza fibras de polivinil álcool (PVA) e polpa de celulose. Mas existem outras tecnologias, como o reforço com fibras de poli-propileno (PP). De forma geral, essas tecnologias exigem a adaptação das plantas industriais, a formação de equipes e o estabelecimento de uma nova cadeia de fornecedores. São tecnologias com custo de produção mais elevado que o do cimento amianto, devido ao preço maior dos insumos, o consumo de energia e o aumento do capital envolvido. A vida útil desses produtos tendem, também, a ser menor que a do cimento amianto.

Há 20 anos, a USP se dedica à pesquisa nesta área, sendo que, nos últimos 12 anos, colabora com empresas nacionais no desenvolvimento de soluções tecnológicas. Considerando tanto a experiência internacional como os nossos resultados, chega-se à conclusão de que ainda é necessário buscar soluções de custo mais baixo, que, quando escaladas na indústria, possibilitem melhorar o desempenho dos produtos, diminuir a taxa de ocorrência de defeitos e aumentar a vida útil dos produtos nas diferentes condições brasileiras. O alcance de uma solução tecnológica neste nível, no entanto, requer investimentos em pesquisa que resultem em conceitos inovadores, como, aliás, tem sido feito pelos nossos parceiros. Mas, para se tornarem realidade, esses conceitos precisam ser transformados em soluções de escala industrial. Esta atividade exige tempo e recursos financeiros em uma ordem de grandeza superior ao da escala laboratorial.

Ocorre que a ausência de uma estratégia nacional, que estabeleça o futuro dos produtos de fibrocimento, tem impedido que o setor planeje adequadamente seus investimentos. Um exemplo é a dificuldade de suprimento de fibras alternativas ao amianto. No caso das fibras de PVA, a capacidade mundial de produção estimada está em torno de 70 mil toneladas/ano, e inteiramente concentrada no Japão e na China. Já no Brasil, a produção de fibras de PP é de menos de 10 mil toneladas/ano. A conversão de toda a indústria brasileira de fibrocimento para fibras alternativas consumiria cerca de 40 mil toneladas/ano, aproximadamente 50% da produção mundial. Em resumo, não existe capacidade fabril instalada em nível mundial para atender eventual demanda brasileira de fibras de forma imediata. A construção dessas fábricas, no país, é projeto de média duração. E sem uma sinalização claramente favorável, do mercado e do governo, estes investimentos não irão ocorrer.

É certamente possível ao Brasil evoluir de forma segura e econômica para uma indústria de fibrocimento sem amianto. Para que isto aconteça, no entanto, é urgente o desenvolvimento de uma política de médio prazo que dê segurança aos investimentos de fabricantes e seus fornecedores, e viabilize a pesquisa e o desenvolvimento de soluções robustas no cenário nacional. Do contrário, continuaremos paralisados nas discussões e disputas legais intermináveis, sem qualquer avanço.

VANDERLEY M. JOHN, 53, engenheiro civil, é doutor pela Escola Politécnica da USP e professor associado da Escola Politécnica da USP
HOLMER SAVASTANO JUNIOR, 51, doutor em engenharia pela Escola Politécnica da USP, é professor titular da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da USP

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