Folha de S. Paulo


Mario Silva: O Brasil e a memória do Holocausto

O Holocausto foi um crime contra a humanidade sem precedentes, o que caracterizou um momento histórico definitivo que alterou fundamentalmente a forma como o mundo vê e aborda atos de genocídio. Desta forma, nos deu importantes lições que podem ajudar a evitar que tais crimes aconteçam novamente. O desafio é garantir que estas lições sejam lembradas, compartilhadas e aplicadas.

Pensando nisso, o então primeiro-ministro sueco Göran Persson criou, em 1998, uma força tarefa que se tornou a Aliança Internacional da Memória do Holocausto (IHRA, na sigla em inglês), uma rede com 330 autoridades governamentais e especialistas de 31 países, liderada por um presidente anual. Os grupos de trabalho em educação, memória e pesquisa, compartilham boas práticas, enquanto os comitês especiais abordam assuntos como o Holocausto, o genocídio de ciganos, o antissemitismo e a própria negação do Holocausto.

Nos últimos 10 anos, a IHRA promoveu o desenvolvimento da sociedade civil através de programas de bolsas anuais. Além disso, está desenvolvendo um plano plurianual de trabalho com projetos para celebrar os "locais de morte", pesquisar técnicas efetivas de educação e acessibilidade aos arquivos da era do Holocausto e dar apoio a eventos educativos no Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto.

Como país que atualmente preside a IHRA, o Canadá busca fortalecer a cooperação com organizações internacionais, como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), o Conselho Europeu e a Organização para Segurança e Cooperação na Europa, que também fizeram da memória do Holocausto uma parte fundamental de sua missão e que atuam como parceiros internacionais permanentes da IHRA, além de incentivar outros países a se juntarem à IHRA, como o Brasil, que visitei entre 18 e 22 de novembro. Assim como o Canadá, a experiência brasileira com o Holocausto é diferente daquela de outros países membros da IHRA. Não havia campos de concentração no Brasil, mas o país serviu como lar para os sobreviventes.

Encontrei-me com diversos representantes de organizações do governo e da sociedade civil em Brasília e em São Paulo para discutir o objetivo da IHRA e apresentar as vantagens de se fazer parte desta aliança. Pude ainda aprender mais sobre a situação dos direitos humanos no Brasil e os esforços que têm sido empregados para promover a cultura de tolerância no país.

Fiquei bastante impressionado com o dinamismo e a diversidade da comunidade judaica brasileira. Uma das reuniões mais inesquecíveis foi com sobreviventes do Holocausto que falaram de suas experiências nos campos de concentração e de suas vidas no Brasil. Seu amor por este país ficou claro e achei muito interessante saber que muitos deles dão palestras regularmente em escolas.

Ouvi em todas as minhas reuniões, inclusive com a USP, que o Brasil acredita na importância da memória do Holocausto e fui lembrado de que a presidente Dilma, assim como o antigo presidente Lula, participa anualmente da cerimônia do Dia Internacional da Memória das Vítimas do Holocausto, em 27 de janeiro.

Gostaria de incentivar o Brasil para que se envolva ainda mais com a IHRA, pois enquanto houver discriminação por etnia, religião e outras diferenças no mundo, haverá um papel para educar, pesquisar e lembrar o Holocausto. E assim, a IHRA continuará a desempenhar função de destaque como órgão intergovernamental dedicado a aprender e compartilhar as lições com os líderes políticos e sociais de todo o mundo.

MARIO SILVA, político canadense, é presidente da Aliança Internacional da Memória do Holocausto

*

PARTICIPAÇÃO

Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


Endereço da página:

Links no texto: