Folha de S. Paulo


Marcelo Bechara de Souza Hobaika: do 11 de setembro às eleições de 2014

No Brasil, a série de manifestações populares em 2013 são parte de uma cadeia de fatos resultantes dos atentados às Torres Gêmeas e a Washington. Experiências mundiais demonstram que tais movimentos terão significativas consequências eleitorais para o país.

Oficialmente, o século 21 começa em 01/1/2001. Na prática, em 11/9/2001. E, passada mais de uma década, ainda se vivem os reflexos dos escombros e da grande poeira que turvou a sensação coletiva de segurança. Um trauma global e em rede. Qualquer pessoa é capaz de lembrar onde estava quando soube dos atentados.

De lá para cá, eventos de impacto mundial vêm se encadeando como numa queda de dominós. Mas qual a relação do ataque com os grandes debates que o planeta enfrenta na economia, na representação – refletida pelas manifestações populares em diversos países– e, agora, na vigilância das comunicações?

Os ataques enfraqueceram três pilares da sociedade americana: política, economia e defesa. Capitólio, Pentágono e World Trade Center foram os alvos. Os dois últimos atingidos, mas todo o globo sofreu os efeitos.

Os impactos econômicos foram profundos e levaram a gestão Bush a adotar medidas de redução drástica dos juros. Como consequência, a expansão do crédito gerou uma bolha imobiliária. Além disso, os gastos em defesa atingiram valores absurdos. Faltou dinheiro aos bancos, que passaram a ser ajudados pelo governo. Em 2008, instaura-se o pânico na economia global: a maior recessão pós-crise de 29.

O atentado gerou também uma onda de insegurança, xenofobia e alterações profundas na área de inteligência e vigilância. Os EUA passaram a disseminar uma nova doutrina de defesa e declararam um revide mundial contra o terrorismo, numa verdadeira guerra preventiva. Ainda em 2001, o Afeganistão sofre o primeiro ataque e, em 2002, Bush usa a expressão "Eixo do Mal" para denominar as nações contrárias aos ditames americanos: Coreia do Norte, Irã e Iraque foram imediatamente incluídas.

Em 2003, o Iraque é invadido pelos EUA por supostamente abrigar armas de destruição em massa, nunca encontradas. Manifestantes de diversos países empunham cartazes dizendo "not in my name", já demonstrando uma clara desconexão entre interesses de grupos de cidadãos e seus representantes. Em 15/2/2013, a Stop the War Coalition reúne cerca de um milhão de manifestantes na Grã-Bretanha.

Em 2004, surgem o Facebook, o Flickr, o Gmail e o termo web 2.0, este para definir o uso da rede que busca aumentar o intercâmbio de informação e a colaboração entre usuários. Em 2005, nasce o Youtube e a internet já é acessada por cerca de um bilhão de pessoas. Assiste-se a uma redução do poder da campanha eleitoral na TV frente à nova possibilidade de compartilhamento de vídeos feitos por todo gênero de câmeras. Evoluindo em fases, a rede mundial passa de simples meio para replicação de notícias em massa e acesso a portais de conteúdo para uma reconstrução ao redor das pessoas por meio das redes sociais. O mundo jamais seria o mesmo.

Em 2008, Barack Obama vence a primeira campanha eleitoral maciçamente sustentada nas redes de comunicação da internet.

Em 2011, a Primavera Árabe, emanada da internet, derruba os governos ditatoriais de Tunísia, Egito, Líbia e Iêmen e inspira a guerra civil na Síria. Londres assiste a diversas manifestações populares contra abusos de poder da polícia britânica e as autoridades ameaçam bloquear veículos de comunicação digital para impedir a interação por meio de redes como o Twitter e o Facebook. A Espanha presencia o "Movimiento 15-M", espelhado nos protestos islandeses que, em 2009, derrubaram o governo e, em 2011, escreviam uma nova Constituição para o país por meio da colaboração popular pela rede mundial. Na mesma época, o Occupy Wall Street espalha-se por diversas cidades dos Estados Unidos. O número de usuários da internet alcançava mais de dois bilhões.

As manifestações desencadeadas em diversos países desde os atentados de 11 de setembro desembarcam em junho de 2013 no Brasil com o apoio de mais de 89% da população. Pesquisas indicam ainda que cerca de 80% dos manifestantes se mobilizaram por meio de redes sociais e que o mesmo percentual afirmava não se sentir representado pelos governantes.

Observa-se que, apesar das diferenças culturais e locais, os protestos globais guardam em comum elementos como a ausência de liderança, aversão a partidos políticos e a rejeição às instituições e ao poder político. Além disso, utilizam a comunicação em rede e a natural segurança advinda da atuação em grupo como instrumento para debates e reivindicações.

Portanto, ao disponibilizar a organização desses movimentos de forma sistêmica, a internet apresenta-se como mediadora para a democracia colaborativa.

O professor de direito de Harvard Yochai Benkler defende que a interação colaborativa pela internet constrói, inclusive, um novo sistema econômico, a transformar o capitalismo. A produção comunitária por meio da rede passou a ser significativa a ponto de impor mudanças sociais.

Nota-se assim que, quanto maior for a expansão da banda larga e da conexão portátil, mais ampla será a capacidade de mobilização coletiva e sua influência sobre as definições políticas do país. É necessário identificar cuidadosamente os interesses desses usuários, em sua maioria jovens, de 14 a 29 anos, para compreender como eles atuarão nas eleições deste ano, mesmo que alguns sequer tenham idade para votar. O debate eleitoral deverá enfrentar o que pensam esses indivíduos que, diuturnamente conectados, compartilham de tudo, colaboram entre si, produzem conteúdos de toda natureza e expõem suas vidas e opiniões. Jovens que, em grupo, sentem-se mais seguros para se expressar em manifestações políticas explícitas ou implícitas, como nas ocupações em shopping.

Nas últimas eleições brasileiras, em 2012, afirmei, em várias discussões, que no Brasil a internet não daria voto, mas tiraria. Hoje, após as transformações sociais promovidas por meio dela e uma interação coletiva nunca antes vista, assiste-se a uma evolução do uso da plataforma. A rede mundial passa a ser fonte inspiradora da própria campanha eleitoral. Um rico ambiente para captação dos interesses sociais e para a construção da credibilidade de candidatos perante eleitores. Não se trata de apropriação dos movimentos. Isso tende a ser rechaçado como ficou claro em 2013. O grande valor está nos debates que devem circular livremente pelas redes sociais.

Liberdade que passou a ser questionada mundialmente após a quebra de confiança na internet com as denúncias de Edward Snowden sobre o programa secreto de vigilância americano, o que motivou o pronunciamento da presidenta Dilma na Assembleia-Geral da ONU, em Nova York, contrário a violações de direitos por parte dos EUA.

Nada mais oportuno, portanto, que a Reunião Multissetorial Global sobre o Futuro da Governança da Internet, a ocorrer no Brasil em 2014, não se limite ao desenvolvimento de uma política internacional para a governança da internet em si. Melhor que falar de governança seria tratar de cooperação global e democrática entre todos os setores.

Como um país de várias etnias e religiões que, juntas, convivem em harmonia, o Brasil deve protagonizar propostas reais para que essa interação seja muito maior do que a gestão multissetorial da rede. Não apenas nesse evento, mas também em discussões mais amplas como a Cúpula do Brics, a ocorrer também neste ano.

É necessário ter em mente que a cooperação em rede gera impactos sociais e eleitorais e que o uso dessa extraordinária ferramenta contribui para responder as grandes questões desse século. As manifestações brasileiras ou mesmo os "rolezinhos" são parte de um cenário maior de reorganização mundial ao redor da rede. Um processo que, de acordo com a experiência de outros países, terá impacto significativo nas urnas em 2014.

MARCELO BECHARA DE SOUZA HOBAIKA é membro do Conselho Diretor da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e do Comitê Gestor da Internet no Brasil. Foi consultor jurídico do Ministério das Comunicações e Procurador-Geral da Anatel

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