Folha de S. Paulo


Editorial: Apurações cerceadas

Estão novamente sob risco os poderes de investigação do Ministério Público. Depois de enterrada, sob pressão das manifestações de junho, a proposta de mudar a Constituição a fim de limitar a atuação do órgão na esfera criminal, decidiu-se, por outras vias, impor a promotores e procuradores restrições no campo eleitoral.

O freio foi colocado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No final de dezembro, o colegiado aprovou resolução, sugerida pelo ministro José Antonio Dias Toffoli, que obriga o Ministério Público a obter autorização judicial para abrir inquéritos policiais sobre crimes eleitorais cometidos neste ano.

Toffoli, que presidirá o TSE a partir de maio, vê na chancela da Justiça um meio de tornar as investigações mais transparentes.

O efeito da norma será outro. Pouco fará contra inquéritos movidos por interesses escusos, mas criará embaraços burocráticos generalizados e prejudicará a agilidade na coleta de provas, atrapalhando toda e qualquer apuração.

De acordo com o juiz Márlon Reis, um dos líderes do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, essas dificuldades são de tal monta que poderiam inviabilizar a averiguação de condutas irregulares.

Por essa razão, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu para o TSE alterar a regra; se isso não ocorrer, pretende recorrer ao Supremo Tribunal Federal.

Há bons argumentos a sua disposição. O artigo 129, inciso VIII, da Constituição estabelece como função institucional do Ministério Público "requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial", sem mencionar necessidade de autorização prévia.

É assim que tem funcionado na Justiça criminal. A resolução do TSE, portanto, cria, sem qualquer base jurídica, uma norma válida somente para crimes eleitorais.

Ilícitos graves para o funcionamento da democracia, como a compra de votos, fraudes no alistamento e o uso da máquina administrativa, podem ser apurados com o auxílio do Ministério Público.

Criar regras procedimentais claras é a melhor maneira de coibir eventuais abusos por parte de promotores e procuradores.

Descartar, em parte ou integralmente, a expertise que acumularam na seara eleitoral, porém, é medida que carece de fundamento e em nada colabora para garantir a realização de um pleito sem irregularidades –o que é obviamente do interesse de toda a sociedade.

Por ironia, talvez o melhor argumento contra a medida do TSE seja o fato de ela ter sido bem acolhida por políticos dos principais partidos do país. Nesse tocante, não há diferença de opinião entre governistas e membros da oposição.


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