Folha de S. Paulo


Eduardo Daher: Carta a Davos

Nestes 22 a 25 de janeiro, a cidade de Davos, incrustada nos alpes da Suíça, receberá chefes de governos, líderes políticos, empresariais e acadêmicos de uma centena de países para o 44º Fórum Econômico Mundial. O conclave este ano traz o tema: A reformulação do Mundo - Consequências para a Sociedade, a Política e os Negócios.

Os dirigentes do fórum justificam o ambicioso programa: "Hoje, forças políticas, econômicas, sociais e tecnológicas transformam nossas vidas, comunidades e instituições; cruzam fronteiras geográficas, de gênero e de gerações; alteram o poder das hierarquias tradicionais pela das redes sociais". Pauta profusa, mas com uma grave lacuna. Em mais uma edição, faltou o fórum se dedicar a um problema crucial para a humanidade, hoje, e para um futuro verdadeiramente sustentável: como debelar a fome no mundo.

Esta injúria atingiu, em 2013, cerca de 842 milhões de pessoas, como alertou o brasileiro José Graziano, diretor-geral da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), órgão da ONU, em videoconferência no Fórum Inovação, Agricultura e Alimentos, uma iniciativa da FAO, Embrapa e entidades do agronegócio, em outubro último, em São Paulo.

O Brasil tem o mérito de vir reduzindo esta nefasta marca. Entre 1993 e 2013, o País tirou 9,2 milhões de pessoas da linha da fome. Ainda assim, vivem 13,6 milhões de brasileiros em situação de miséria.

Na verdade, quase todos nós, bem nutridos, nos acomodamos frente à tragédia da fome. Por outro lado, muitos saudamos as passeatas do ano passado que, à falta de objetivos claros, se degeneraram em quebra-quebras. Já mundo afora, protestos midiáticos rendem propaganda fácil e atraem simpatizantes para causas diversas, a maioria pouco úteis para as populações –sobretudo as miseráveis.

Os extremos eventos climáticos justificam as preocupações ambientais. Sem dúvida, chocam-nos imagens de encostas soterrando casas, recorrentes no Brasil; o tsunami no Japão, em 2011; o tufão nas Filipinas, em novembro último. Mas tão inaceitável é outra tragédia diária que ceifa muito mais vidas: segundo a FAO, por desnutrição ou problemas a ela relacionados, morrem no mundo cerca de 12 mil crianças. Portanto, a cada dia se repete um silencioso tsunami da fome.

O Fórum Social Mundial, contraponto ao encontro da Suíça e que ocorre sempre na mesma semana de janeiro, perdeu seu apelo político-alternativo quando partidos de esquerda alçaram ao poder na América Latina - afinal, agora, seus ideólogos têm a difícil tarefa de governar. O esvaziamento do FSM também se deve a ideias anacrônicas que recusam agendas construtivas com setores produtivos e acadêmicos - por exemplo, programas de inclusão competitiva no mercado para agricultores familiares.

Mas também o Fórum Econômico Mundial dará razão às críticas caso continue a se preocupar com as crises do capital sem dar a mesma importância aos dramas sociais. Ou seja, a esperança é que os apelos dos milhões de desvalidos alcancem as montanhas cobertas de gelo de Davos.

EDUARDO DAHER, 63, é economista pela Faculdade de Economia e Administração, FEA/USP, pós-graduado pela FGV-SP e diretor executivo da Associação Nacional de Defesa Vegetal, Andef

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