Folha de S. Paulo


Técio Lins e Silva: A crise na segurança pública brasileira

Uma pesquisa realizada recentemente pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) para integrar a 7ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública apontou que 70% da população brasileira desaprova e não confia na atuação das polícias civil e militar. O mesmo estudo mostrou que a ineficiência de investigações mal concluídas, a baixa taxa de resolução de crimes e, principalmente, a imagem de violência associada aos policiais são alguns dos motivos para esse cenário.

Um dos índices mais altos da pesquisa é a taxa de letalidade. De acordo com o estudo, cinco pessoas morrem todos os dias no Brasil, vítimas da ação policial. A polícia brasileira está matando e também morrendo mais. São, em média, 24 pessoas e 72 policiais mortos a cada 100 mil habitantes. Esse resultado coloca a corporação como uma das mais violentas do mundo, e nos dá uma certeza: o modelo de segurança pública brasileira fracassou.

Nos últimos meses, as manifestações realizadas em todo o país - inicialmente, pedindo a redução dos preços das passagens de ônibus e, posteriormente, o fim da corrupção e melhorias na educação e na saúde, entre outros temas - chegaram a reunir, em um único dia, mais de um milhão de pessoas. Alguns desses protestos, no entanto, terminaram em confrontos com policiais militares, e a reação do poder público foi a pior possível.

Uma Comissão Especial de Investigações de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas foi instituída através de decreto. A autoridade concedida a esta comissão inclui poderes até para exigir das empresas de telefonia e de servidores da internet a entrega de dados das comunicações feitas por qualquer pessoa. Decretos como este podem ser comparados às comissões de inquérito criadas na ditadura. Estamos diante de uma situação clara de abuso de poder e violação de direitos constitucionais.

Ainda assim, a comissão formada por grupos de representantes do Ministério Público do Rio, da Secretaria de Segurança Pública e das polícias civil e militar foi mantida. Tanta repressão aos manifestantes - herança do "modus operandi" da polícia durante o regime militar - foi reprovada pela sociedade, e acabou se transformando em mais um fator para reforçar a imagem negativa da corporação.

A falta de credibilidade nessas instituições traz à tona uma discussão antiga sobre o modelo de polícia brasileiro. Segundo a pesquisa realizada pela FGV, os gastos com Segurança Pública no Brasil chegaram a R$ 61,1 bilhões em 2012, um aumento de 16% em relação ao ano anterior. Ao mesmo tempo em que o valor é expressivo, os policiais sofrem com baixos salários, más condições de trabalho e falta de preparo. A corrupção, a impunidade e a falta de transparência da instituição são problemas recorrentes.

Não basta melhorar o ensino policial e oferecer equipamentos de última geração. É preciso que o Congresso defina o papel das polícias brasileiras. Que elabore um projeto político capaz de ultrapassar o corporativismo e pensar a segurança que um país moderno e democrático necessita.

O cenário é de crise e demanda uma transformação, que passa pela ampla reforma das polícias do Brasil, do Judiciário e do sistema penal, já que os presídios estão abarrotados e os índices de criminalidade não param de crescer. Opções essas que poderiam resultar em uma polícia desempenhando um papel preventivo e ostensivo, focada mais em ações de inteligência e menos de força.

É evidente que estamos diante de um modelo falido. Precisamos é intensificar o debate por soluções que abandonem a repressão e priorizem novas abordagens. Para a esmagadora maioria da população, a polícia é uma só, e todos esperam a proteção estabelecida pela Constituição Federal.

TÉCIO LINS E SILVA, 68, é diretor do Instituto dos Advogados Brasileiros

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