Folha de S. Paulo


Maria Aguilera, Marina Capusso e Douglas Belome: Quem se beneficia?

A luta por transporte público não começou nem terminou em junho.

O Movimento Passe Livre luta pela tarifa zero pois entende que a exigência de pagamento pelo uso de ônibus, trens e metrôs nega o direito à cidade, limita a circulação das pessoas, impede o acesso a escolas, hospitais e espaços de lazer.

Neste ano, em São Paulo, somou-se à tarifa zero a luta pela revogação dos cortes de linhas de ônibus feitos pela prefeitura. Em 2006, ocupamos a Secretaria de Transportes pelo mesmo motivo. Mudam as gestões, repetem-se os erros.

Segundo a SPTrans (São Paulo Transporte), o objetivo é cortar 405 linhas. O que a prefeitura chama de racionalização, as pessoas sentem como descaso. Em vez de a medida diminuir o tempo das viagens, como divulgado, vemos ele aumentar.

Essas ações não foram discutidas com a população. Convidar ao diálogo quando consumadas soa como demagogia. A SPTrans ignora que quem usa o transporte há anos sabe mais sobre ele que qualquer técnico e opta por medidas autoritárias, que não atendem aos interesses das pessoas.

As manifestações comprovam: a insatisfação não é causada pela mudança brusca de hábitos cultivados durante anos, mas sim pelo transtorno de ter que trocar de ônibus várias vezes e enfrentar novas filas, ônibus mais lotados e longas esperas. A violência é diária.

Mas se o corte de linhas não beneficia a população, há quem se beneficie dele. Quem afirma que quanto mais longas as linhas, maior o lucro dos empresários omite como funciona o sistema de transporte e a remuneração das empresas.

De acordo com os contratos atuais e com a licitação cancelada, as empresas são remuneradas por passageiros transportados. Quanto mais a catraca gira, maior o lucro. Quer forma mais eficiente de girar a catraca que seccionar as linhas?

As empresas só têm a perder com longas linhas, que ligam as periferias ao centro da cidade --modelo que tem se mostrado mais adequado às necessidades das pessoas.

Se o ganho é por passageiro, os empresários não estão preocupados com o trajeto, mas com a quantidade de passagens que receberão.

O Bilhete Único Mensal ao valor de R$ 140 (R$ 230 integrado ao metrô) é uma política eleitoreira da prefeitura que não altera estruturalmente o sistema de transportes e não foi aderido nem sequer por 4% dos usuários do bilhete comum. O bilhete mensal custará ao menos
R$ 400 milhões por ano, cerca de 33% do atual subsídio pago às empresas. Valor esse que poderia ser utilizado para reduzir bem mais do que R$ 0,20 na tarifa de todos.

Cortam-se linhas, criam-se novos bilhetes, e as empresas continuam recebendo o valor total da passagem! Se a intenção é promover acesso ao transporte, não é melhor reduzir a tarifa? Se a intenção é reduzir custos, não é mais racional a remuneração das empresas se basear no custo do sistema?

A prefeitura nem sequer sabe exatamente qual é esse custo, como demonstrou a SPTrans em fórum do Ministério Público. Esse desconhecimento só favorece interesses privados. Não vamos nos calar perante uma cidade que se organiza de acordo com os interesses de poucos. Agora é o povo que vai mandar no transporte. Agora é o povo que vai mandar na cidade!

MARIA AGUILERA, 19, estudante de letras, MARINA CAPUSSO, 30, cientista social, e DOUGLAS BELOME, 29, bancário, são militantes do Movimento Passe Livre

*

PARTICIPAÇÃO

Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


Endereço da página:

Links no texto: