Folha de S. Paulo


Editorial: Cartel vacinado

No jargão da propaganda política, dá-se o nome de "vacina" às peças publicitárias, ou ações de outra ordem, produzidas com o intuito de imunizar um candidato contra ataques que poderá receber durante a campanha eleitoral.

Tome-se o anúncio televisivo do PSDB paulista, divulgado nesta semana. Primeiro, uma apresentadora diz que governantes não devem se esconder quando surgem problemas. Em seguida, afirma que o governador Geraldo Alckmin "deu um exemplo disso no caso do cartel das empresas privadas".

Alckmin então aparece declarando-se interessado em conhecer toda a verdade e, com expressão firme, asseverando que irá "fundo nessa história". À guisa de conclusão, a apresentadora, convicta, decreta: "Seria muito bom se todos os governantes fossem assim".

De fato. Mas a realidade, como se sabe, teima em distanciar-se das criações publicitárias. Entre a determinação manifesta na propaganda tucana e as investigações afinal levadas adiante pelo governo do Estado há uma grande lacuna --preenchida, ao menos por enquanto, pela impunidade.

O "caso do cartel das empresas privadas", conforme o eufemismo marqueteiro, foi revelado há três meses por esta Folha. Trata-se, segundo delação da multinacional alemã Siemens, de um esquema destinado a burlar licitações de metrô e trens de São Paulo. Sem concorrência real entre as companhias, os preços pagos pelos serviços aumentavam em até 30%.

Consta que a trama remontaria ao ano 2000, no governo de Mário Covas, e teria se prolongado nas sucessivas administrações tucanas, de Geraldo Alckmin e José Serra --não existe, até aqui, prova de envolvimento das autoridades.

O prejuízo aos cofres públicos pode ter sido imenso. É do interesse de toda a população, portanto, que o episódio seja esclarecido, e eventuais culpados, punidos.

A investigação conduzida pela corregedoria do governo paulista, porém, ainda não conseguiu avançar após três meses de trabalho. Na Assembleia Legislativa, dominada pelo PSDB e seus aliados, deputados estaduais recusam-se a instaurar uma CPI sobre o tema.

A publicidade tucana pode até atingir seu objetivo de vacinar o governador Geraldo Alckmin, mas a peça, logo se percebe, não está imunizada contra o vírus da propaganda enganosa.


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