Folha de S. Paulo


José Afonso da Silva: Jogada perigosa

"Golpe de mestre", "lance político admirável", "jogada de mestre" são expressões que os comentaristas usam para elogiar a adesão da ex-senadora Marina Silva ao PSB, do governador Eduardo Campos.

A maioria dos apoiadores da Rede Sustentabilidade, no entanto, ficou perplexa. Se Marina se apressou em filiar-se a um partido é porque tem pretensões para 2014, já que a burocracia, senão o boicote, impediu a criação da Rede e tolheu o exercício de um direito fundamental.

A Constituição estabeleceu o direito de livre criação de partidos políticos (art. 17). Não exigiu lei para disciplinar diretamente essa criação. Aí o direito pleno. Ter caráter nacional, proibição de receber recursos do estrangeiro, prestação de contas à Justiça Eleitoral, funcionamento parlamentar de acordo com a lei são regras de funcionamento, não de criação dos partidos.

A lei, contudo, transformou-as em exigências para o registro do partido no Tribunal Superior Eleitoral, convertendo-se, assim, por uma espécie de torsão semântica, em lei sobre a criação dos partidos, em contraposição à liberdade constitucionalmente estabelecida.

Por isso, a ex-senadora teve que buscar abrigo em outro partido, jogada tida como brilhante. Seria, se ela fosse a cabeça de chapa. Mas Campos advertiu logo que não abrirá mão de sua candidatura à Presidência. E, se abrisse, não seria a favor da Marina, mas da Dilma, a quem sempre esteve ligado.

Com o apoio da Marina, Campos tem tudo a ganhar. Ela tem muito, ou tudo, a perder. Ela se inseriu num contexto partidário em posição secundária, uma inversão de planos em que a liderança mais importante se submete à menos significativa.

Se seus milhões de votos forem transferidos para Campos e ele se eleger, será irreversível. E o sonho presidenciável da ex-senadora se esfumará. Não será melhor se ela se eleger para a vice-presidência. Vice-presidente só chega à Presidência em sucessão, se o presidente deixar o cargo --caso de Floriano Peixoto, Delfim Moreira, Café Filho, João Goulart, Itamar Franco e José Sarney.

Significa que, se ela se eleger vice-presidente, seus sonhos presidenciais serão sepultados no Palácio Jaburu. A passividade ou mesmo a inutilidade do cargo torna passivo ou até inútil eleitoralmente seu ocupante. É uma pena a Marina, com seu potencial eleitoral, com suas propostas governamentais, perder-se numa situação dessa!

Dependendo de como a carruagem anda, a jogada pode ser boa para o Brasil, com uma possível vitória de Eduardo Campos, interrompendo o esquema PT/PSDB, ambos desgastados pelo mau exercício do poder. O problema é que Campos é ainda parte desse esquema, de sorte que a mudança efetiva estava numa possível eleição da Marina. O acordo frustrou a esperança que milhões vinham depositando nela.

No xadrez da política, as jogadas ousadas podem abrir a guarda para o xeque-mate do adversário. Nessa perspectiva, Marina fez uma jogada perigosa, senão um chute fora ou uma furada, que deixou a torcida tão embasbacada como a derrota do Brasil no mundial de 1950.

JOSÉ AFONSO DA SILVA, 88, constitucionalista, é professor aposentado da Faculdade de Direito da USP. Foi secretário da Segurança Pública do Estado de São Paulo (governo Mário Covas)

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