Folha de S. Paulo


Ocimar Munhoz Alavarse: Muito barulho e pouca luz

Entre as medidas anunciadas pelo prefeito Fernando Haddad, afastada a hipótese de uma intenção demagógica de "agradar" professores e amplos setores sociais, salta aos olhos aquela que reintroduz, depois de 21 anos, a possibilidade de reprovação ao final de vários anos do ensino fundamental.

O questionamento da promoção automática --ou qualquer de suas formas assemelhadas, como progressão continuada, avanços progressivos-- pode se caracterizar como uma iniciativa simplista ou revestida de um retrocesso.

No Brasil, os professores tradicionalmente têm se utilizado da "pedagogia da repetência", quer por crenças didáticas, quer por crenças liberais de mérito educacional. Mas observa-se que a possibilidade de reprovação seguida da repetência ou da evasão prejudica os alunos em piores condições socioeconômicas. Para eles, devemos indicar verdadeiras "pedagogias de sucesso".

Dados da Prova São Paulo relativos ao quinto ano contestam a suposição generalizada de que a reprovação ajuda os alunos.

Observa-se que os alunos de baixa proficiência aprovados têm ganhos mais significativos de aprendizagem do que os de baixa proficiência reprovados, ainda que tais ganhos não sejam suficientes para colocá-los em patamares de desempenho adequado.

Esse quadro, adicionalmente, alimenta o debate sobre os critérios adotados pelos professores para definir o rendimento de seus alunos.

É constatável que a reprovação depende mais da turma do que de supostos critérios objetivos dos professores. Salvo honrosas exceções, os alunos repetentes nunca têm um tratamento à altura de suas necessidades. Isso só faz agravar a condição para avançarem nos estudos.

O desempenho dos estudantes da rede municipal de ensino de São Paulo está aquém do que se poderia considerar adequado, tanto em leitura quanto em resolução de problemas. Essa avaliação pode comprometer em grande medida o processo de escolarização e, portanto, deve merecer redobrada atenção por parte do gestor público.

No entanto, paradoxalmente, a retomada da possibilidade de reprovação tende mais a aumentar o fracasso escolar do que efetivamente enfrentá-lo, opondo-se à efetiva democratização da escola.

Outras medidas anunciadas pela Prefeitura de São Paulo parecem reforçar o imaginário popular sobre a atividade escolar. Aplicar notas em vez de conceitos, como se apurassem melhor o desempenho do aluno e facilitassem o cálculo do professor, não é uma medida que atinge o cerne da questão, qual seja, aprimorar a avaliação. Tampouco tornar a lição de casa obrigatória terá efeito prático. Qual é o controle que a Secretaria de Educação terá sobre a tarefa de cada aluno?

A decisão, em abril, de encerrar a realização da Prova São Paulo já afrontava a articulação com o planejamento pedagógico das unidades educacionais. A defesa do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) e da Prova Brasil pelo prefeito parece ignorar quase 40 características que fazem da Prova São Paulo uma avaliação superior.

Suas matrizes são mais completas que as nacionais. Além disso, o Inep divulga seus dados com atraso e impede a identificação das proficiências de cada aluno. Isso cria obstáculos intransponíveis para o acompanhamento individual e impossibilita o cotejamento de resultados de avaliações internas e externas, condição a fortiori para se incrementar o processo de avaliação em cada escola.

Com efeito, a tentativa de superar um problema --as baixas proficiências-- pode gerar outro --o aumento do fracasso escolar.

OCIMAR MUNHOZ ALAVARSE, 53, é professor de avaliação de sistemas educacionais da Universidade de São Paulo e conselheiro suplente do Conselho Municipal de Educação

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