Folha de S. Paulo


Plinio Castrucci: Cidadania, um problema de aritmética

Em princípio, os deputados federais representam os cidadãos e os senadores representam os Estados. É um sistema prudente pois, para serem aprovadas, as leis precisam satisfazer à maioria dos anseios dos cidadãos e à maioria dos interesses dos Estados.

Mas não é justa a representação atual dos cidadãos dos diferentes Estados, na Câmara dos Deputados. Ela contraria o fundamental artigo 5º da Constituição: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...".

Atualmente, cada deputado de São Paulo representa cerca de 600 mil habitantes, cada um de Roraima, 60 mil e cada um de Alagoas ou de Minas, 350 mil. A expressão política de cada paulista é um décimo da expressão dos cidadãos de Roraima e metade da dos outros Estados!

À primeira vista, essa anomalia representativa parece ter sido imposta pelo artigo 45, § 1º, da Constituição: "O número total de deputados, bem como a representação por Estado e pelo Distrito Federal, será estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à população, procedendo-se aos ajustes necessários, no ano anterior às eleições, para que nenhuma daquelas unidades da Federação tenha menos de oito ou mais de 70 deputados".

E imposta também pela lei complementar nº 78 de 1994, que confirmou a proporcionalidade às populações bem como os limites, mínimo oito e máximo 70, e que definiu o número total de deputados federais em no máximo 513.

Analisando esses textos cuidadosamente, percebe-se que os legisladores, apesar de estabelecerem o número máximo de deputados para o Estado mais populoso, insistiram na proporcionalidade dos números de deputados às populações. É verdade que deixaram ao legislador eleitoral um pequeno problema de lógica e de aritmética (proporcionalidade com limites mínimo e máximo).

O gráfico acima é eloquente para mostrar a situação atual e para justificar uma solução lógica do problema, embora parcial. Os pontos representam em cada Estado o atual número de deputados versus a população, conforme o Tribunal Superior Eleitoral e o IBGE. A linha azul representa onde deveriam estar os pontos para atender plenamente aos artigos 5º e 45 e à lei complementar.

Quarenta milhões de paulistas teriam assim sua plena cidadania. A proporcionalidade seria garantida para todos exceto para os poucos milhões de cidadãos dos Estados pequenos, que teriam um privilégio, tendente a diminuir com o crescimento das populações.

Carvall

Cálculos simples permitem concluir que seria obrigatório reduzir o número total de deputados para perto de 400, um fato que a lei complementar sabiamente permite!

Algum prejuízo para a representação política nacional? Para a busca do bem comum? Creio que não. E com alguns benefícios, como a redução de custos e a tendência natural de os deputados, em menor número, sentirem-se individualmente mais responsáveis.

Por outro lado, é sempre instrutivo comparar esse número total de 400 com o de outras democracias bem-sucedidas. Por exemplo, os Estados Unidos da América, com população quase 50% maior que a brasileira, tem apenas 435 deputados...

É possível corrigir sem emenda constitucional esse silencioso desvio nos direitos da cidadania brasileira, pois foi decorrente de má interpretação das nossas leis maiores.

Com emenda constitucional, se implantado o superior sistema do voto distrital, é certo que também haveria justiça na representação dos cidadãos, além de outras vantagens conhecidas.
Mas desde que a definição dos distritos fosse vigiada para nunca desrespeitar o artigo 5º!

PLINIO CASTRUCCI, 80, é engenheiro, ex-professor titular na Escola Politécnica da USP

*

PARTICIPAÇÃO

Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


Endereço da página:

Links no texto: