Folha de S. Paulo


Editorial: Delação mais premiada

Deputados distritais aprovaram uma lei que estabelece a oferta de prêmio em dinheiro a quem denunciar casos de corrupção no governo do Distrito Federal. Os delatores, que poderão levar 10% do valor que for recuperado, não podem ser autores nem coautores do crime.

A polêmica medida está agora nas mãos do governador do DF, Agnelo Queiroz (PT), que pode sancioná-la ou vetá-la.

O diploma entra na categoria das chamadas leis de delação premiada, mas, diferentemente dos dispositivos federais, que beneficiam com diminuição de pena criminosos arrependidos, pretende estimular a denúncia por pessoas que não tiveram participação no delito. Difícil não lembrar do famoso "reward" (recompensa) que encimava os cartazes de "procurado" no velho oeste americano.

Talvez por ser relativamente nova no Brasil, a filosofia da delação premiada ainda causa incômodo. No que diz respeito às normas que favorecem bandidos penitentes, a origem do desconforto é clara: elas incentivam a traição, conduta tão negativa que provoca repúdio mesmo quando ocorre entre criminosos e em benefício da sociedade.

A lei brasiliense conta com mecanismo mais sutil. Como o delator não pertenceria à quadrilha, não se pode falar em traição. A ideia, ainda assim, é perturbadora.

Em tese, qualquer pessoa que tome conhecimento de um crime tem o dever moral de denunciá-lo às autoridades competentes --se se tratar de servidor público, há ainda um dever legal. Ao colocar uma etiqueta de preço num ato que deveria ser automático, a regra de alguma forma rebaixa a cidadania.

Exercícios teóricos sobre comportamentos éticos, porém, funcionam melhor nos manuais de filosofia do que na prática. No mundo real, delatar um crime envolve riscos. No mínimo, de ser tachado de alcaguete. Na pior das hipóteses, a própria vida é ameaçada.

Sem estímulos palpáveis, como recompensas em dinheiro ou vantagens processuais, a maioria tende a optar pela mais confortável inércia --ou pela denúncia anônima, expediente com frequência contestado nos tribunais.

Para combater com mais eficiência os múltiplos e variados esquemas de corrupção e o crime organizado, a sociedade precisa reconhecer que, dentro de certos limites, determinadas medidas pragmáticas constituem um avanço.

Se bem regulamentada, a recompensa pode representar importante ferramenta --e impulsos morais automáticos não deveriam impedi-la.


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