Folha de S. Paulo


Editorial: Com apenas um veto

Um veto de Dilma Rousseff acaba de expor, de modo concentrado, os efeitos de anos de imprudência financeira e improviso na administração pública.

A presidente tornou sem efeito a decisão do Congresso de dar cabo da multa adicional de 10% sobre o valor do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) de trabalhadores demitidos sem justa causa. As empresas devem esse percentual ao governo desde 2001.

A contribuição adicional foi criada a fim de cobrir perdas nos saldos de contas do FGTS, provocadas de forma indevida por planos econômicos dos anos 1980 e 1990.

Embora a diferença tenha sido quitada no ano passado, o governo manteve a cobrança da contribuição extra --que é, afinal, provisória-- com o argumento de que os fundos recolhidos financiam programas sociais, como habitação e saneamento. Reafirmou-se o raciocínio no veto presidencial.

Há um motivo mais imediato e, talvez, inconfessável: a aguda escassez de recursos em um ano de baixa arrecadação de impostos.

A decisão do Congresso privaria o governo de cerca de R$ 3 bilhões anuais. Decerto provocaria a interrupção de obras importantes. É fácil demonstrar, porém, que tal possibilidade está no horizonte devido a imprevidências elementares.

Primeiro, não importa a situação orçamentária ou econômica, o governo não deveria contar com uma receita provisória nem pretender desvirtuar o emprego precípuo de tais recursos.

Segundo, note-se que, apenas no primeiro semestre de 2013, o governo deixou de arrecadar R$ 35 bilhões em consequência de desonerações fiscais concedidas com o objetivo frustrado de estimular a atividade econômica.

É evidente que o governo poderia ter adotado providências a fim de manter no caixa dinheiro bastante para compensar a perda da receita extraordinária do FGTS.

Medidas comezinhas de planejamento financeiro permitiriam que o governo abrisse mão dessa contribuição provisória, ora transformada em tributo permanente --taxação que, de resto, causa distorções no mercado de trabalho.

Não chega a surpreender num governo incapaz até mesmo de cuidar dos seus próprios interesses políticos. Com o veto, abre-se mais uma frente de conflito com o Congresso e com a sociedade --empresários já se articulam contra a decisão da presidente.

O fim da cobrança da multa do FGTS é reivindicação antiga e razoável das empresas. Foi negociada pacientemente com o Congresso, embora os parlamentares tenham aprovado a medida no embalo algo demagógico da reação aos protestos de junho.

A incúria governamental cria mais distorção tributária, desordem orçamentária e conflito político --tudo com apenas um veto.


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