Folha de S. Paulo


Wolfgang Leo Maar: O que há de novo nas ruas

O que importa não são as velhas coisas boas de sempre, mas as coisas novas e ruins, dizia Bertolt Brecht conforme nos lembra Walter Benjamin. Pois bem: há uma coisa nova na realidade brasileira; mas é uma coisa nova e ruim, perigosa.

A novidade não é a mobilização popular --essa é uma dessas coisas "boas de sempre", não é uma novidade, e, embora equivocadamente fora da prioridade política de quem deveria priorizá-la (o PT, por exemplo) continuou ocorrendo, ainda que reduzida, por meio de movimentos sociais e sindicatos.

A novidade é a visão conservadora despertada para a mobilização popular. Os interesses populares permanecem bastante distantes das ruas. É ingênuo afirmar que "a direita é contrária à mobilização popular", quem vai à rua é a esquerda.
Como questionamento, basta, é claro, lembrarmos do fascismo e do nazismo, mobilizações populares que começaram exatamente assim, como lembrava meu pai, que saiu da Alemanha de Weimar.

Mas não precisamos recuar tanto: com os atentados do 11 de setembro de 2001, os EUA foram mobilizados para um ambiente de autoritarismo e violência que gerou a segunda eleição de Bush e as guerras do Iraque e do Afeganistão. Hoje basta haver um pequeníssimo acento popular em uma medida governamental para que se erga a mobilização autoritária --vide atentados de Boston--, que só favorece as soluções não políticas, sustentadas na violência e repressão. Sempre colhem algo os pescadores de águas turvas...

A mobilização popular mudou de um dia para outro: após ser "produzida" por comentaristas antes contrários, passou a ser acompanhada por ativistas de direita, que reforçaram a apresentação de vandalismos --que foram reais-- para que assim se possam gerar condições para desenvolver um ambiente favorável à repressão e à violência, contrário a partidos, sindicatos e instituições e às suas incipientes mas existentes práticas democráticas. É assim que a direita cria condições para que sua "política" se torne "inevitável"...

Obviamente, não se trata de criticar as mobilizações populares. Ao contrário, elas são uma inflexão a ser apreendida como parte de uma construção de forças em direção a transformações necessárias. Nesse sentido, os eventos despertaram aqueles que, no governo, deixaram de lado a via da mobilização para privilegiar a elaboração de maiorias a partir de negociações de cúpula.

Afinal, essa política calculista não deu certo. Porém, a questão não reside simplesmente em lembrar, como faz um comentarista, que a tarifa zero foi outrora uma bandeira partidária. O que importa é o contrário disso: por que essa reivindicação foi abandonada? Porque não se conseguiram condições para implementá-la! Esse é o principal problema do esquerdismo: pensar a política abstraindo de suas condições.

Marx já ensinara que "a anatomia do homem é a chave da anatomia do macaco", e não vice-versa. Ou seja: é preciso atentar às condições em que se gera a realidade, em vez de meramente enunciar políticas, que não são utópicas "" essas são bem-vindas, pois embora seu lugar não exista agora, o é potencialmente-- mas atópicas. Não se referem a ideias fora do lugar, mas a ideias sem lugar na história passada, presente ou futura.

WOLFGANG LEO MAAR, 68, é professor titular de ética e filosofia política da Universidade Federal de São Carlos

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