Folha de S. Paulo


Marcos de Barros Lisboa e Zeina Abdel Latif: Autoengano

As surpresas frequentes com os indicadores da economia brasileira exibem uma regularidade: a persistente frustração das expectativas.

A maior inflação se soma a um crescimento decepcionante. A cada novo ciclo de resultados, uma reação comum tem sido atribuí-los a causas transitórias e ajustar as projeções prevendo melhora no futuro. No entanto, os ajustes têm se revelado insuficientes e o diagnóstico, equivocado.

O governo optou por uma política de estímulos à expansão da demanda, quando o maior crescimento requer melhoria das condições de oferta e ganhos de produtividade. O uso excessivo de estímulos fiscais e as intervenções em diversos mercados, como câmbio e crédito, resultaram em desequilíbrios macroeconômicos, pressões inflacionárias e maior incerteza, tendo efeito inverso ao pretendido sobre o crescimento.

Os estímulos à demanda se somam à deterioração da oferta. Os desequilíbrios macroeconômicos, a incerteza sobre a política pública e as distorções causadas por benefícios concedidos a grupos escolhidos resultaram em pior evolução da produtividade. Estímulos e privilégios têm como contrapartida seu financiamento por impostos ou custos adicionais para o resto da sociedade, o que significa a concessão de benefícios para alguns às custas dos demais.

O menor crescimento da produtividade desestimula o investimento. Além disso, passou a dominar a percepção de que ganhos privados podem ser obtidos por meio de favores do governo, como benefícios fiscais e proteção à competição, e não pelo sucesso na gestão em um ambiente meritocrático.

Desde meados da década passada, a atividade econômica vinha sendo sustentada por ganhos de produtividade e pelo crescimento de alguns setores, especialmente agronegócio e diversos serviços, sendo os últimos responsáveis pela maioria dos empregos no país.

Esses ganhos têm declinado acentuadamente. As dificuldades da indústria se disseminam progressivamente para os setores até então mais dinâmicos, piorando as perspectivas de crescimento sustentável.

Herman Tacasey

A maior taxa de inflação e a pior evolução da produtividade fragilizam o ambiente de negócios e aumentam a possibilidade de uma contaminação do mercado de trabalho, até agora preservado, o que tende a afetar os cálculos políticos.

A frustração com os indicadores tem resultado em alguns ajustes da política econômica, porém ainda tímidos frente às dificuldades para garantir uma estratégia de crescimento. O aumento sustentável da capacidade de crescimento requer sólidos fundamentos macroeconômicos e uma agenda de ganhos de eficiência, em vez de privilégios para os escolhidos.

A reversão de expectativas e a reconquista da confiança, infelizmente, demoram, mesmo no caso de uma mudança da política econômica.

A deterioração do ambiente político tem sido simultânea à frustração com os resultados da economia. O governo enfrenta dificuldades com a agenda legislativa e uma base aliada mais frágil e cada vez mais atenta a opções para 2014.

Parece que alguns políticos anteciparam melhor do que os economistas a vulnerabilidade e os riscos do cenário econômico, assim como as suas implicações eleitorais.

MARCOS DE BARROS LISBOA, 48, doutor em economia pela Universidade da Pensilvânia, é vice-presidente do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa) e ZEINA ABDEL LATIF, 45, doutora em economia pela USP, é sócia da Gibraltar Consulting

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