Folha de S. Paulo


Editorial: Recomeço difícil

Vai no sentido correto o programa do governo do Estado de São Paulo que prevê remunerar instituições privadas especializadas no tratamento de dependentes de crack. São muitos os desafios para a correta implantação dessa iniciativa, contudo.

O Cartão Recomeço foi apresentado no início do mês pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB), que deve implementá-lo em julho.

Rapidamente o cartão ganhou a injusta pecha de "bolsa crack", por destinar auxílio de R$ 1.350 mensais a cada usuário da droga para garantir-lhe acompanhamento após superada a fase aguda da dependência.

O dinheiro, na realidade, será diretamente transferido às chamadas comunidades terapêuticas --centros particulares ou ONGs que acolhem dependentes químicos.

É salutar que o governo procure alternativas para evitar a recaída no uso do crack, droga que induz alto índice de reincidência. A primeira questão a ser enfrentada, porém, é a da capacidade técnica dessas comunidades terapêuticas.

O governo informa que credenciará 300 instituições para prestar os serviços de auxílio aos usuários, mas hoje é incapaz de dizer quantas entidades competentes existem no Estado. A qualidade dessas instituições, ademais, permanece desconhecida. É de estranhar que um credenciamento rigoroso não tenha precedido o anúncio da medida.

O recebimento das verbas deveria ficar condicionado a uma constante avaliação, com critérios objetivos e controle externo da evolução dos pacientes durante o prazo de tratamento, limitado pelo governo a seis meses. Instituições que descumprissem tais regras deveriam ser excluídas do programa.

Além disso, o Estado precisa garantir a laicidade do tratamento conferido aos dependentes, posto que grande número das comunidades terapêuticas hoje existentes tem caráter religioso. Outras primam pelo isolamento dos usuários, não por sua reinserção social --objetivo maior do programa.

Outra deficiência da proposta é não contemplar menores de 18 anos. Estudo da Universidade Federal de São Paulo mostra que, no Estado, 38% dos usuários de cocaína e seus derivados --crack, merla e óxi-- são adolescentes.

O governo alega que a exclusão se deve à falta de entidades especializadas em dependentes químicos nessa faixa de idade. Ora, a iniciativa privada é apenas supletiva, neste caso; cabe ao poder público a responsabilidade de prestar o atendimento adequado a essa população.


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