Folha de S. Paulo


Plinio Castrucci: As pilhas, esses sintomas da ineficiência

É hoje unanimidade que a maior barreira ao desenvolvimento nacional é a baixa produtividade; pouco se fala, porém do seu conceito, da sua medida e de como aumentá-la.

Considere a produtividade burocrática; o que a mede? À primeira vista, o número de processos encerrados, dividido pelo número de funcionários ou pela folha salarial.

Essa é uma medida de cunho econômico interno, interessante para a administração, mas que não mede a produtividade externa, aquela vista pelo cidadão. O que este sente e o que de fato tem imensas repercussões socioeconômicas é a duração média do percurso dos processos.

A operação burocrática é, em essência, uma circulação de papéis ou de informações entre uns poucos funcionários: um protocolador, um generalista, que decide qual especialista deve opinar, o especialista, que pede informações ou consulta arquivos ou o sistema computacional e decide; seguem-se a digitação do laudo, a aprovação, a cópia e o aviso ao interessado, o protocolo...

O modelo sistêmico da operação é estatisticamente complexo, embora similar ao de qualquer produção industrial. E qual foi a principal chave para o aumento da produtividade industrial, que deu um enorme salto por volta de 1960?

Foi uma mudança de conceitos originada na Toyota, Japão, passando a focalizar detalhes "do chão da fábrica" e a priorizar a minimização dos estoques, principalmente aqueles entre máquinas.

Produziu o milagre japonês antes mesmo da informatização (esta apenas se iniciava). Em algumas décadas, revolucionou a produção industrial em todos os países e no Brasil. Prazos de entrega, custos de produção e áreas de fábrica reduziram-se por fatores incríveis, entre 5 e 10!

Ora, tais conceitos podem ser aplicados aos processos burocráticos, "no chão do escritório".

Considere um exemplo simplificado no qual, por questões didáticas, ignoram-se flutuações aleatórias. Um processo, não informatizado, passa por 5 funcionários; cada um dedica a cada caso 20 minutos, processa 18 casos por dia e os empilha no lado direito da mesa; ao fim do dia, um contínuo transfere as pilhas para a mesa seguinte. Portanto um caso de cliente gasta um dia por estágio e sai após cinco dias (40 horas de expediente).

Suponha agora que cada funcionário, após fazer sua parte, vá até a mesa seguinte e entregue o processo. Cada estágio agora consome, digamos, 24 minutos. Um caso chega à conclusão em uns 120 minutos! Em suma, devido a não haver pilhas intermediárias, o cidadão interessado espera 5% do tempo original!

Experimente dar uma olhada nas mesas da repartição cuja lentidão mais o incomode: verá em cada mesa enormes pilhas de processos, os tais sintomas da ineficiência.

Claro que, se a tarefa de um dos funcionários exige 40 minutos, em vez de 20, ele se torna um gargalo para o fluxo do processo; se um funcionário é incompetente ou se abandona tarefas pelo meio, ele é um gargalo. Só inspecionando as pilhas o chefe do serviço sabe onde o problema está e pode solucioná-lo.

Mas então a informatização, ao tornar instantâneo o movimento dos processos, resolveria tudo? Nem sempre, porque pilhas ainda podem existir, só que agora invisíveis.

Duas são as condições para haver eficiência com informatização: a) o sistema deve mostrar ao supervisor, on-line, o número de processos retidos em cada estágio de sua responsabilidade; b) cada supervisor deve ser doutrinado para assumir sua principal responsabilidade: a supervisão contínua dos gargalos.

PLINIO CASTRUCCI, 80, engenheiro, foi professor titular da Escola Politécnica e é autor de "Modelos Computacionais para Gestão" (Manole)

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