Folha de S. Paulo


Pablo Ortellado e Luciana Lima: Direito sem ordem de chegada

Dois projetos de lei em tramitação no Congresso propõem a regulamentação nacional da meia-entrada para estudantes em atividades culturais e esportivas --a qual já existe em alguns Estados.

A concessão de meia-entrada é criticada por empresários e produtores com base em dois argumentos.

O primeiro é o de que essa política seria uma ingerência sobre a atividade empresarial, pois obrigaria o setor privado a subsidiar os ingressos dos estudantes. O segundo é o de que os preços dos ingressos estariam sobrevalorizados para cobrir os custos de uma grande quantidade de meias-entradas fraudadas.

Para lidar com esses problemas, os projetos propõem uma cota de 40% dos ingressos para meias-entradas. Além de equivocada nos seus pressupostos, essa medida viola o princípio da universalidade do direito e gera grandes iniquidades.

A alegação de que as políticas de meia-entrada interferem na administração das atividades empresariais, obrigando o setor privado a fazer política pública, não procede.

A política de meia-entrada introduz um mecanismo de subsídio cruzado no qual os consumidores adultos subsidiam o consumo dos jovens e dos idosos --setores com renda significativamente inferior.

Ao estabelecer sua política de preços, o empresário nada mais faz do que transferir os custos da meia-entrada para os não beneficiados. Quem subsidia o benefício, portanto, são os consumidores adultos.

Por outro lado, a queixa de que a fraude é disseminada parece ser verdadeira. As propostas em votação criam uma identidade estudantil com cadastro e emissão controlados por entidades estudantis.

Outra possibilidade, mais justa, seria retomar a proposta defendida nas discussões iniciais do Estatuto da Juventude de conceder o benefício a todos os jovens independente do vínculo estudantil, já que o sistema de identificação por idade é mais difícil de ser fraudado.

Mais do que evitar fraudes, a ampliação do benefício para todos os jovens incluiria aqueles que não têm acesso ao ensino superior, que são os mais vulneráveis não apenas do ponto de vista da idade como também da classe social.

O principal argumento para limitar a meia-entrada a 40% dos ingressos é o de que existe uma grande desproporção entre quem paga o preço cheio e quem paga a metade, o que, na prática, duplicaria o preço dos ingressos. Com a limitação, empresários argumentam que o preço dos ingressos poderiam ser reduzidos em 35%.

No entanto essa promessa parte da falsa premissa de que os preços são apenas decorrência dos custos. Na verdade, em uma economia de mercado, os custos só determinam o patamar mínimo dos preços, e o valor efetivamente praticado é aquele que maximiza os rendimentos.

Como os consumidores estão acostumados ao patamar de preços atual, o valor economizado com a limitação das meias-entradas tende a ser convertido em lucro empresarial --foi o que aconteceu com a isenção de PIS/Cofins concedida ao setor editorial em 2004: as editoras prometeram redução dos preços dos livros, mas os preços permaneceram os mesmos, e o valor da isenção foi incorporado pelas empresas.

Além de provavelmente não baratear os ingressos, a limitação das meias-entradas substituiria um mecanismo coerente e justo de subsídio cruzado pelo princípio de que os últimos subsidiam os primeiros.

Se é verdade que em alguns eventos juvenis o percentual de meias-entradas chega a 80% dos ingressos, então, com a cota, os primeiros 40% que teriam direito ao benefício seriam subsidiados não pelos adultos que têm mais renda, mas por outros jovens, nas mesmas condições, que perderam seu direito apenas porque chegaram tarde.

PABLO ORTELLADO, 39, é professor de gestão de políticas públicas e do programa de pós-graduação em estudos culturais da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP

LUCIANA LIMA, 28, é mestranda em estudos culturais na EACH

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