Folha de S. Paulo


Editorial: Parceiro difícil

Não são poucas as democracias em que Horacio Cartes, presidente eleito do Paraguai, dificilmente seria aceito como candidato: já foi detido por evasão de divisas, teve drogas apreendidas numa fazenda sua e se encontra sob suspeita de lavagem de dinheiro e contrabando de cigarros para o Brasil.

Cartes, um dos homens mais ricos de seu país, foi eleito pelo Partido Colorado. Versão paraguaia do PRI mexicano, a agremiação conservadora volta ao poder após o abreviado mandato do esquerdista Fernando Lugo, que, em 2008, conseguiu a façanha de pôr fim a seis décadas de colorados no poder.

Mesmo sem a Presidência e divididos internamente, os colorados mantiveram sua histórica capilaridade na sociedade paraguaia. Fruto do clientelismo de décadas, quando ser filiado ao grupo ajudava a abrir muitas portas, o partido supera 1 milhão de membros, numa população de 6,7 milhões.

Tendo ingressado na agremiação apenas em 2009, Cartes conseguiu unificar os colorados graças ao poder econômico. Na campanha, usou a imagem de empresário estranho à política, que não precisaria locupletar-se no poder por já ser rico o suficiente.

Representante do status quo, Cartes parece ter melhores condições de governar o país do que o ex-bispo católico Fernando Lugo, representante local da "onda de esquerda" na América do Sul.

Lugo, eleito com 40,8% dos votos (não há segundo turno no Paraguai), perdeu apoio após o escândalo de filhos não reconhecidos e os poucos avanços em áreas como a reforma agrária. Foi afastado da Presidência no ano passado, num processo constitucional, embora sem direito a ampla defesa.

Ao contrário do antecessor, Cartes, que vem se mostrando um pragmático, não deverá enfrentar dificuldades no Congresso. Elegeu 47 dos 80 deputados e 19 dos 45 senadores. O resultado eleitoral sem contestações e o bom momento econômico também contam a favor --o FMI prevê crescimento de 11% em 2013, o maior da região.

Cabe agora ao Brasil e demais países do Mercosul promover uma rápida reintegração do Paraguai ao bloco, do qual foi suspenso após a deposição de Lugo. Até 15 de agosto, quando Cartes assume a Presidência, há tempo para negociar um roteiro digno de volta do Paraguai, que viu a Venezuela tornar-se membro do grupo à sua revelia, manobra casuística que manchou a diplomacia brasileira.

As variadas e complexas relações bilaterais --basta mencionar os preços da energia de Itaipu, conflitos com brasiguaios e fronteiras permeáveis ao narcotráfico-- exigem que o Brasil mantenha uma relação próxima e de colaboração com o Paraguai. Até pelas sombras que pairam sobre a trajetória de Cartes, quanto menos Assunção estiver isolada, melhor.


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